Topo

Quebrada Tech

Estúdio da quebrada de SP leva representatividade para o mercado de games

Quebrada Tech

18/09/2019 04h00

Criança jogando na Perifacon o jogo Angola Janga: Picada dos Sonhos, um dos projetos desenvolvidos pela Sue The Real

Cansados da constante propagação de estereótipos no universo da industria gamer, moradores da Vila Medeiros, zona norte de São Paulo, criaram a Sue The Real, estúdio de jogos focados em narrativas afro-brasileiras e cultura periférica

Por Tamires Rodrigues | Edição de Ronaldo Matos

Antes dos consoles, a maior parte das pessoas precisavam ir a lan houses ou fliperamas e pagar para jogar jogos famosos nas periferias nos anos 80 e 90, como "Super Mario Bros." e "Street Fighter".

Esses games marcaram a infância e adolescência de uma geração de jovens que, até hoje, joga as novas versões destes jogos. Eles também representam um dos primeiros contatos desse público com a tecnologia, sobretudo com a cultura dos games.

Com a chegada do Playstation no Brasil, logo os jogos se tornaram mais acessíveis ao ponto de serem comercializadas de forma ilegal em qualquer barraquinha de camelo da região central da cidade, como a Rua 25 de março ou na Santa Efigênia.

A falta de diversidade dentro da indústria gamer ainda enfrenta diversas barreiras para ser mudada. Os desenvolvedores Rebecca Mota e Marco Silva, moradores da Vila Medeiros, bairro da zona norte de São Paulo, aproveitaram essa percepção de mercado para se unir e mudar esse cenário, construindo o Sue The Real, primeiro estúdio de jogos focados em narrativas afro-brasileiras.

As grandes empresas continuam produzindo os mesmos estereótipos de gênero, raça e nacionalidade de décadas atrás. Rebecca afirma que a participação do público é fundamental no Sue The Real para garantir representatividade e relevância. "Em todos os games procuramos fazer uma construção colaborativa, onde o nosso público nos ajuda a construir nossa obra."

O jogo "Aya e seu lindo Black Power", uma narrativa simples e interativa sobre a autoestima da mulher negra, que estimula o usuário a promover uma reflexão sobre amor ao cabelo crespo está entre os trabalhos já desenvolvidos pelo estúdio gamer da quebrada.

Outro projeto do estúdio é o "One Beat Min", um jogo sobre partidas de beat box, que retrata personagens periféricos que integram a cultura hip hop.

As referências afro-brasileiras se tornam ainda mais marcantes no jogo "Angola Janga: Picada dos Sonhos" que aborda a trajetória de escravos no histórico Quilombo dos Palmares, conectando o jogador com questões sobre a ancestralidade da população negra no Brasil. Este é um dos principais jogos do estúdio e foi inspirado na obra HQ Angola Janga, uma história de Palmares do Marcelo D'Salete, e desenvolvido com o estúdio de animação Faunea.

No momento, o Sue The Real não possui patrocinadores, mas conta com apoio do Vai Tec, política pública que fomenta empreendimentos inovadores nas periferias. Os criadores do estúdio estão passando por um processo de mentoria e aprimoramento de técnicas de negócios de impacto social com a Red Bull Amaphiko, iniciativa que conecta empreendedores das periferias de todo o Brasil, para trocas de conhecimento no desenvolvimento da sustentabilidade.

Rebecca faz questão de enfatizar que o processo de desenvolvimento de jogos é solitário. "Nós constantemente nos sentimos solitários tanto jogando quanto desenvolvendo, uma vez que as obras não nos representavam."

 

Mas o retorno do público tem estimulado o estúdio. O game "Angola Janga: Picada dos Sonhos" foi exposto pela primeira vez na Perifacon, primeira "Comic Con da Favela" realizada em março de 2019 no Capão Redondo.

"Nós ficamos com o coração saltitando de saber que o público estava interessado e recebemos vários elogios de famílias que levaram crianças para jogá-lo", relembra Rebecca sobre a experiência de expor seu jogo na quebrada.

Sobre os autores

O Desenrola E Não Me Enrola é um coletivo de produção jornalística que atua a partir das periferias de São Paulo, investigando fatos invisíveis que geram grandes impactos sociais na vida dos moradores e moradoras dos territórios periféricos.

Sobre o Blog

Como a vida dos moradores das periferias vem sendo impactada pela revolução digital que transformou as relações sociais, econômicas, culturais e políticas? É isso que o coletivo de jornalismo Desenrola E Não Me Enrola vai contar aqui no blog, trazendo histórias diretamente de quebrada para você conhecer de maneira mais aprofundada esse contexto social que mescla recursos mobile, consumo, comportamento, redes sociais e inovação. Site: https://desenrolaenaomenrola.com.br/