Topo

Quebrada Tech

Sem futebol ou bicicleta, game ajuda jovens da periferia a fazer amigos

Quebrada Tech

25/03/2020 04h00

Adolescente joga Free Fire em frente a sua casa na periferia da zona sul de São Paulo (Tamires Rodrigues)

Independente das questões geracionais, os admiradores de jogos online que moram nas periferias ressaltam a importância de jogar em grupo e de fazer amizade durante cada partida

Por Tamires Rodrigues

As atividades de diversão favoritas do adolescente João Gregório, 13, são jogar bola, andar de bicicleta e jogar videogame.  Um fator em comum aproxima o jovem dessas brincadeiras: todas elas são realizadas de maneira coletiva na companhia de seus amigos.

João descreve que essas brincadeiras fazem parte do seu cotidiano no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo. "De dia eu ando de bicicleta e jogo bola. E de noite fico jogando", conta.

Assim como muitos adolescentes da sua idade, um dos seus sonhos é ser gamer. "Para entrar no mundo do gamer tem que saber jogar muito. E eu ainda tô aprendendo", afirma. No meio da entrevista, ele cita quem são seus gamers preferidos e que faz questão de acompanhar pelo Youtube: Nobru Tv e El gato. Os dois têm uma característica em comum: realizaram lives jogando Free Fire, um jogo desenvolvimento para dispositivos mobile que une personagens em diversas situações de ação e aventura. Em 2019 foi o jogo mais baixado em todo o mundo.

João relembra que conheceu o jogo na escola com seus amigos. Quando eles tinham tempo livre, o menino notou que todos ficavam bem atentos no celular jogando Free Fire. Na hora ele se identificou e começou a jogar com o grupo. "Eles ficavam conversando na escola, só falavam disso, até irritava."

Ele diz que já conheceu muita gente jogando online, tornando o jogo um meio de comunicação com seus amigos virtuais.

João afirma que se não for para jogar online, ele prefere jogar bola ou andar de bicicleta, porque o legal mesmo, segundo ele, é jogar com seus amigos, assim as partidas ficam bem mais divertidas. "Às vezes um vai na casa do outro e a gente fica jogando."

Tradição de jogar online

No final da entrevista com João, perguntamos se ele já teve vontade de jogar usando um computador desktop ou notebook. Ele responde que não e que sempre jogou videogame usando smartphone.

Diferente das experiências do João, Gustavo Menezes, 21, morador da zona sul de São Paulo, relembra que montou o seu próprio computador e, para isso, ele foi até a Santa Efigênia, centro de comércios eletrônicos na região central da capital paulista, para comprar todas as peças necessárias para rodar qualquer jogo.

Gustavo nem consegue lembrar qual foi a idade que começou a jogar. Ele só lembra que na sua antiga quebrada, no Inocoop Campo Limpo, tinha uma locadora de videogames, onde ele ficava jogando por horas. "Eu jogava tipo tudo: Crash, Tony Hawk, jogava futebol no Play 2, em 2006, 2005, por aí", diz Gustavo.

Quando ele conheceu Counter-Strike, um jogo de FPS, que é disputado por um grupo de pessoas, boa parte da sua rotina foi tomada pelo jogo e logo se tornou seu novo esporte diário. "Em 2010 eu comecei a jogar CS, sério mesmo, eu jogava tipo 10 horas por dia, aí eu já comecei a jogar online."

"Jogar CS é a mesma coisa de jogar xadrez, é um exercício para a mente. CS é um jogo é muito competitivo e de estratégia, mexe com sua mente, não tem como", afirma Gustavo.

O jovem já chegou a ir em competições em outros estados e diz que hoje percebe que o jogo ajudou na sua vida fora das telas, pois acredita que a velocidade de seu raciocínio aumentou. "Eu jogo CS igual na minha vida, tento resolver as coisas o mais rápido possível, mas com eficácia".

"Hoje em dia eu só jogo no computador, até vídeogame eu não consigo ficar muito tempo jogando. Fico 40 minutos jogando vídeogame e minha mão começa a doer, quando eu tô jogando no computador me sinto parte do personagem, tá ligado?"

Gustavo não consegue explicar o porquê de sua preferência de jogar no computador, mas ele descreve que sente um pertencimento. Segundo o jovem gamer, fazer amizade foi outro diferencial que impactou sua vida.

"Tem um amigo meu que eu conheci por causa do jogo, o Rafa, lá de Taboão da Serra. Conheci ele jogando e depois começamos a dar rolê junto", diz Gustavo. O encontro virtual com o novo amigo aconteceu durante uma partida de DayZ, um jogo de sobrevivência de zumbi.

"Tivemos férias juntos no meio do ano. Nisso ele me falou que tinha laje lá, e eu fui lá soltar pipa com ele. Nós íamos a bailes também", relembra Menezes, afirmando que até hoje tem contato com seu amigo.

Sobre os autores

O Desenrola E Não Me Enrola é um coletivo de produção jornalística que atua a partir das periferias de São Paulo, investigando fatos invisíveis que geram grandes impactos sociais na vida dos moradores e moradoras dos territórios periféricos.

Sobre o Blog

Como a vida dos moradores das periferias vem sendo impactada pela revolução digital que transformou as relações sociais, econômicas, culturais e políticas? É isso que o coletivo de jornalismo Desenrola E Não Me Enrola vai contar aqui no blog, trazendo histórias diretamente de quebrada para você conhecer de maneira mais aprofundada esse contexto social que mescla recursos mobile, consumo, comportamento, redes sociais e inovação. Site: https://desenrolaenaomenrola.com.br/