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Acesso à internet pode salvar a vida de quem mora em barraco, diz moradora

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27/05/2020 04h00

Foto: Sandrinha Alberti                                                                                                                                                                                                Viela com barracos de moradores do Jardim São Savério, no Fundão do Ipiranga

Moradora cria campanha para arrecadar fundos para democratizar o acesso à internet para 500 famílias afetadas pela falta de entretenimento e informação durante a pandemia de coronavírus na região do Fundão do Ipiranga, zona sul de São Paulo

Por Tamires Rodrigues

A moradora Maria Nilda, do Fundão do Ipiranga, zona sul de São Paulo, está engajada em criar uma solução para 500 famílias terem acesso à internet de qualidade sem sair de casa em tempos de isolamento social imposto pela pandemia de coronavírusPara isso, ela criou o projeto "Conexões Contra o Covid", que visa arrecadar fundos para construção de uma infraestrutura de internet livre, comunitária e de qualidade para quem mora na região.

Maria Nilda acredita que a internet pode ajudar as famílias a passar por esse momento de isolamento. A constatação surgiu após uma experiência pessoal. Ela ficou sem acesso a rede em sua casa por alguns dias e não teve escolhas para distração e trabalho.

"Me senti sozinha e violentada, sem direito à comunicação, sem poder trabalhar, sem acesso a lazer, sem saída. Então eu recebi ajuda de umas amigas que sabiam da minha dificuldade. Recebi R$ 150 e paguei as contas pendentes", diz a moradora, que é poetisa e doutora em estudos comparados de literatura de língua portuguesa.

Com poucos recursos para se distrair, Nilda focou seu tempo em ler livros e planejar como poderia mudar essa situação, não só a sua, mas dos moradores do território onde mora. "Li, escrevi e planejei a campanha", lembra.

O projeto "Conexões Contra o Covid" vai atender famílias que vivem em habitações precárias à beira do córrego São Francisco, que divide os bairros Parque Bristol e Jardim São Savério, que fazem parte da região do Fundão do Ipiranga. Com os recursos arrecadados, será construído um "espaço virtual", onde a senha do wi-fi será a mesma e todos os moradores do bairro poderão acessar.

Neste momento, além de informar, comunicar, proporcionar lazer e cultura, o acesso à internet pode salvar vidas, pois permite que se tenha algo para fazer, mesmo no reduzido espaço dos barracos, sabe?"

Maria Nilda

A ideia de uma rede comunitária não surgiu com a pandemia e já era uma prática comum no bairro. "Durante anos eu tive uma rede de internet livre em casa. O nome da minha rede era 'Libere seu wi-fi' e não tinha senha. A vizinhança meio que se amontoava no meu portão para aproveitar o sinal", diz.

Em relação aos moradores que já tem internet, a poetisa conta que fará melhorias na rede com recursos da campanha, deixando-os isentos de pagar mensalidades.

Junto com Nilda, o projeto tem parceria com os coletivos Posse Poder e Revolução, Edições Me Parió Revolução, União dos Moradores do Parque Bristol e Jardim São Savério.

Até o momento, a iniciativa arrecadou 20% do valor necessário para montar a infraestrutura de internet comunitária.

Aumentar as possibilidades

Roberto Oliveira, 35, mora no Jardim São Savério e divide a internet com seu vizinho, pagando R$ 30 por mês. "É péssima. Sempre cai", diz.

Diante da possibilidade de ter uma internet de qualidade, com o apoio do projeto, Oliveira imagina como iria aproveitar os recursos. "Poderemos nos expressar mais, fazer visitas virtuais a museus, ver filmes, documentários, escolher conteúdos, fazer envio de currículos, vendas virtuais", diz.

Para Oliveira, a alternativa de uma rede de qualidade pode expandir o horizonte de informação dos moradores do bairro.

Nós estamos basicamente restritos aos canais abertos, onde os conteúdos não agregam nada para nós. Penso que com a alternativa da inclusão, nossos caminhos teriam muito mais oportunidades, tanto educacional, profissional e de lazer."

Roberto Oliveira

O dinheiro que economizaria da mensalidade da internet de má qualidade, por sua vez, seria usado para melhorar sua moradia. "É um valor que poderia ser convertido em material de construção, para bater a laje de casa", afirma.

Próximo a casa de Oliveira, mora Angelina Mota, 31, com seu marido e filho. Ela também divide sua internet com o vizinho. No final do mês, a conta fica R$ 30, mas o valor investido no serviço não tem retorno para a usuária por causa da qualidade da conexão. "A internet é muito lenta, trava muito", diz.

Mota diz que ficou desempregada durante a quarentena e agora seus gastos são para suprir recursos essenciais. Ela acredita que o "espaço virtual" ajudaria a conter os custos. "Usaria [o dinheiro economizado da internet] para as despesas do mês porque com esse covid-19 a gente não sabe como vai ficar daqui para frente".

Hoje, Mota usa a internet para aprender novas receitas e ajudar os filhos na escola. "Agora que as crianças precisam estudar pela internet tá difícil".

Sobre os autores

O Desenrola E Não Me Enrola é um coletivo de produção jornalística que atua a partir das periferias de São Paulo, investigando fatos invisíveis que geram grandes impactos sociais na vida dos moradores e moradoras dos territórios periféricos.

Sobre o Blog

Como a vida dos moradores das periferias vem sendo impactada pela revolução digital que transformou as relações sociais, econômicas, culturais e políticas? É isso que o coletivo de jornalismo Desenrola E Não Me Enrola vai contar aqui no blog, trazendo histórias diretamente de quebrada para você conhecer de maneira mais aprofundada esse contexto social que mescla recursos mobile, consumo, comportamento, redes sociais e inovação. Site: https://desenrolaenaomenrola.com.br/