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Quebrada Tech

Recado para o futuro: websérie imagina a quebrada no mundo pós-pandemia

Quebrada Tech

10/06/2020 04h00

Cena de "Cartas para o Futuro" com depoimento da moradora Jacir Amaro, do bairro Jardim Piracuama, zona sul de São Paulo (Reprodução)

O que será do novo mundo? A websérie "Cartas para o Futuro" trata dessa inquietação a partir do olhar e vivência de moradores das periferias, que contam como imaginam o futuro da quebrada no pós-pandemia. Nas redes sociais, a Fluxo Imagens, produtora da série, promove oficinas que incentivam a adaptar equipamentos como o celular em busca de soluções criativas para suprir a necessidade de material caro para a produção audiovisual.

Por Tamires Rodrigues 

Distribuída pelo canal da produtora Fluxo Imagens no IGTV, a websérie "Cartas para o Futuro" chama a atenção pelo realismo do cenário e a sinceridade dos personagens sobre as perspectivas do pós-pandemia, um momento ainda incerto e repleto de inseguranças relacionadas às condições de vida e, principalmente, à nova cultura de convivência.

Diante do cenário de incertezas causado pela pandemia de covid-19, a websérie busca retratar o pensamento do morador da quebrada. "A gente decidiu perguntar para pessoas comuns o que elas acham que será o futuro e deixar uma mensagem do passado para o futuro", diz Maxuel Melo, diretor de fotografia e um dos fundadores da produtora

O objetivo, segundo Melo, é produzir um registro atual para que seja eternizado em nossa memória, colocando o sujeito da periferia como protagonista dessa história.

Retratar e dar ênfase à sabedoria dos moradores da periferia são os pontos de partida para a produtora se dedicar aos registros audiovisuais. "Entendemos que todas essas pessoas têm um conhecimento, uma opinião, que também é válido. É necessário retratá-lo", diz.

A escolha de cada personagem tem uma relação conceitual com o fato do morador da quebrada ainda não ter um protagonismo merecido no cenário da produção audiovisual brasileira. "Quando a gente é criança, não se identifica com nada, os heróis não se parecem conosco. O galã da TV não se parece com a gente, aquela menina da novela não se parece com a gente. Nosso cabelo é diferente, nossa pele é diferente, a gente fala diferente. Então tá aí a importância de você se identificar com algo. Por isso é tão importante colocar moradores da periferia como protagonistas, porque eles se parecem com a gente", afirma Melo.

Experimentos audiovisuais

A produtora surgiu com uma câmera Cybershot na mão de Maxuel e seu irmão Marcelino. Com poucas referências de obras e conceitos audiovisuais, os jovens moradores do Campo Limpo, zona sul de São Paulo, começaram a contar histórias de artistas locais com o intuito de democratizar a produção audiovisual dentro da quebrada.

"Conforme a gente ia se aventurando e buscando se conectar mais e mais com este universo, fomos conhecendo fazedores e fazedoras que nos possibilitaram assinar trabalhos com artistas cada vez mais conceituados. E sempre mantendo as raízes", diz Melo.

Com oito anos de existência, a produtora busca retratar a periferia com um novo olhar, não só em termos de narrativa, mas também na produção de suas próprias tecnologias.

Neste momento de pandemia, a Fluxo Imagens firmou uma parceria com a Fábrica de Cultura de São Paulo, ligada à Secretaria de Cultura do Estado, para gravar tutoriais que ensinam a produção de componentes que incrementam a capacidade de filmar e fotografar com o celular, mesclando conhecimentos profissionais aplicados ao cinema com as ferramentas de um smartphone.

Uma das oficinas ensina como transformar a câmera do celular em uma lente para produzir fotos macro utilizando apenas uma gota d'água. "Eu optei por falar de assuntos simples, que são fáceis de explicar e fáceis de fazer em casa também, aproveitando esse período de isolamento que a gente está passando, infelizmente", diz Melo.

Maxuel Melo prepara a oficina de criação de lente macro para câmeras de celular com uma gota de água (Marcelino Melo)

"A gente sabe que a linguagem trazida por professores não é uma linguagem que a periferia fala. Então a ideia foi trazer algo com uma linguagem mais local, mais periférica, que todo mundo consiga entender. No vídeo, eu pensei bastante no público infantil e jovem", acrescenta.

Muitos jovens da quebrada procuraram as redes sociais da Fluxo Imagens e de Melo para comentar sobre o tutorial de produzir fotos macro com uma gota d'água, uma delas é Alexia Lara, moradora da favela do Guian, localizado no Jabaquara, zona sul de São Paulo.

Lara ficou contente por ser deparar com esse tipo de conteúdo em um momento que informações positivas estão escassas. Ela diz que já gravava seus próprios vídeos, mas não sabia do amplo potencial que poderia encontrar utilizando o celular. "Cheguei a achar que só conseguiria um resultado bom se tivesse uma câmera e iluminação profissional, coisas que não são acessíveis a todos, ainda mais no momento atual. Acredito que muita gente acaba caindo nesse raciocínio e não se dá conta do potencial do celular", diz.

Ela afirma que já consegue sentir a evolução dos seus trabalhos aplicando os conhecimentos obtidos na oficina. "Eu mesma senti uma evolução na gravação dos meus processos e, consequentemente, o alcance e valorização do meu trabalho dentro das redes sociais".

Melo defende a importância da informação que gera inspiração e identificação com as pessoas. "Dá um ânimo muito grande ver que você atingiu alguém. Todo tempo estudando fez sentido, porque eu acredito muito que informação foi feita para ser passada".

Outra moradora da quebrada que ficou contente e surpresa com os aprendizados obtidos na oficina foi Dalila Ferreira, moradora do Jardim São Luís, zona sul da cidade. Ela reconheceu que o tutorial, além de criativo, ampliou seus conhecimentos técnicos sobre audiovisual. "Nessa época de quarentena estamos lidando com o ócio e a produtividade, entretanto, eu decidi ver novas coisas, e o resultado foi melhor do que eu imaginei. Sou leiga no audiovisual, fiquei um pouco receosa de não entender, mas entendi tudo e até experimentei em casa".

Nesse momento de distanciamento social, o produtor conta que o foco é reconectar as pessoas através da tecnologia. "Nos resta utilizar a tecnologia que está em nossas mãos todos os dias para nos reconectar de alguma forma, com as pessoas que a gente gosta".

Sobre os autores

O Desenrola E Não Me Enrola é um coletivo de produção jornalística que atua a partir das periferias de São Paulo, investigando fatos invisíveis que geram grandes impactos sociais na vida dos moradores e moradoras dos territórios periféricos.

Sobre o Blog

Como a vida dos moradores das periferias vem sendo impactada pela revolução digital que transformou as relações sociais, econômicas, culturais e políticas? É isso que o coletivo de jornalismo Desenrola E Não Me Enrola vai contar aqui no blog, trazendo histórias diretamente de quebrada para você conhecer de maneira mais aprofundada esse contexto social que mescla recursos mobile, consumo, comportamento, redes sociais e inovação. Site: https://desenrolaenaomenrola.com.br/