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Como uma moradora evitou o golpe do auxílio do FGTS enviado pelo WhatsApp

Quebrada Tech

24/06/2020 04h00

A moradora Silene Alves mexe no celular na sala de sua casa no Rio Pequeno, periferia na zona oeste de São Paulo (Vitoria Guilhermina)

Com a rotina alterada pela pandemia de covid-19, moradores das periferias vêm relatando uma série de golpes enviadas pelo WhatsApp. Uma dessas moradoras é Silene Alves, que reside no Rio Pequeno, zona oeste de São Paulo. Em entrevista ao Quebrada Tech, ela conta que tem criado as suas próprias estratégias para não cair em armadilhas para roubo de dados pessoais e informações sigilosas.

Por Tamires Rodrigues

Silene Alves, moradora do Rio Pequeno, zona oeste de São Paulo, está afastada de seus parentes e amigos mais próximos devido ao isolamento social provocado pela pandemia de covid-19. Assim, a troca de mensagens por meio de aplicativos se tornou uma das principais formas dela se reconectar com seu círculo de relações pessoais.

Sua maior motivação é saber o estado de saúde de parentes. Momentos antes de conversar com o Quebrada Tech, Alves estava falando com sua irmã pelo WhatsApp. "Lá para o Ceará, para minha mãe, para as minhas irmãs, eu ligo direto, toda noite, todo dia. É ligação mesmo, e falo pelo WhatsApp também", diz.

"A única forma que a gente tem de estar junto com familiares e amigos agora é através da rede social, né? Então é isso que tô fazendo", acrescenta.

Em umas dessas conversas com uma de suas irmãs que moram no Ceará, Alves foi surpreendida com mensagem sobre o auxilio do FGTS. "Dizia que o FGTS estava liberando para nós um auxílio de R$ 1.050, aí perguntei para minha irmã de quem ela tinha recebido isso. Ela falou: foi outra pessoa que mandou para mim", diz.

"Eu entrei no Facebook e estava lá mesmo. Tinha um negócio lá da Caixa falando que eu tinha direito aos R$1.050″, afirma Alves. Ela acessou o link para saber quais documentos seriam solicitados para receber o beneficio. "Pediu meu CPF, meus dados e outras coisas. Pediu meu CPF e meus documentos, eu já fico com pé atrás. Aí eu falei que não vou entrar nisso aqui, não".

Desconfiada de que não havia beneficio liberado em seu nome, Alves pediu ajuda para sua filha. "Eu mostrei para minha filha e falei: vê isso aqui para mim que parece que tenho direito. Ela olhou e falou: isso não é seguro, não".

Após sua filha confirmar suas dúvidas, Alves mandou uma mensagem para sua irmã no Ceará avisando do golpe.

No site da Caixa Economia Federal, o comunicado é bem claro: "O pagamento do saque emergencial FGTS será realizado exclusivamente por meio de crédito em Poupança Social Digital, aberta automaticamente pela Caixa em nome dos trabalhadores. A movimentação do valor do saque emergencial poderá, inicialmente, ser realizada por meio digital com o uso do aplicativo Caixa Tem, sem custo, evitando o deslocamento das pessoas até as agências".

O site destaca ainda que o direito de saque é para todo titular de conta do FGTS com saldo, incluindo contas ativas e inativas, no valor de até R$ 1.045 por trabalhador.

Dois dias depois, Alves ainda estava pensativa sobre o ocorrido e decidiu ir até uma agência da Caixa para realizar algumas transações bancárias e resolveu confirmar suas desconfianças. "Eu peguei e mostrei para moça da Caixa e ela falou que era coisa errada, aquilo não existia. Aí falei: menos mal", diz.

Silene Alves no portão de sua casa no Rio Pequeno (Vitoria Guilhermina)

Cultura da dúvida

A maior fonte de pesquisa para verificar se as informações que recebe são ou não falsas vem de suas filhas mais novas. Alves diz que um dos maiores fatores para confiar no faro das filhas para descobrir se uma notícia é falsa ou não é o fato de acreditar que as fake news fazem parte de uma cultura da geração das filhas, e, por isso, elas teriam maior facilidade para interpretar a informação. "Eu não tenho essa velocidade que vocês têm com 18 ou 20 anos para entender de comunicação nas redes sociais. A gente é um pouco atrasada, nós não tivemos essa vida de ter celular na mão".

A ferramenta que Silene mais utiliza no celular é o WhatsApp. Segundo ela, é neste aplicativo onde recebe o maior número de notícias falsas.  Eu recebo de vez em quando, não diariamente, mas de vez em quando aparece uma mensagem para mim que a gente tem que compartilhar com dez pessoas para ganhar não sei o quê, aí fica nessa coisa, né".

"Esses dias mandaram no WhatsApp também uma conta que diz que a gente tem direito a cesta básica, só que para eu ter direito eu tinha que mandar uma mensagem para dez contatos", lembra. Esse tipo de mensagem serviu para ativar a sua cultura da dúvida nos momentos em que usa o aplicativo.

Ao receber essa mensagem, Alves questionou a pessoa que enviou a mensagem. "Achei meio estranho, então eu perguntei para moça se era seguro e ela falou: Silene, eu não sei se é seguro, mandaram para mim. Então eu falei que não vou ficar mandando essas coisas para as pessoas que fica meio chato", afirma.

Para Alves, suas maiores dificuldades com o celular não está conectada com a compreensão das funcionalidades dos aplicativos, mas sim com a organização e compreensão de um grande volume de informações que precisam ser filtradas como verdadeiras ou falsas.

Sobre os autores

O Desenrola E Não Me Enrola é um coletivo de produção jornalística que atua a partir das periferias de São Paulo, investigando fatos invisíveis que geram grandes impactos sociais na vida dos moradores e moradoras dos territórios periféricos.

Sobre o Blog

Como a vida dos moradores das periferias vem sendo impactada pela revolução digital que transformou as relações sociais, econômicas, culturais e políticas? É isso que o coletivo de jornalismo Desenrola E Não Me Enrola vai contar aqui no blog, trazendo histórias diretamente de quebrada para você conhecer de maneira mais aprofundada esse contexto social que mescla recursos mobile, consumo, comportamento, redes sociais e inovação. Site: https://desenrolaenaomenrola.com.br/