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App cria mapa que informa famílias de locais de doações de alimentos

Quebrada Tech

22/07/2020 04h00

Mapa do aplicativo RAH com os polos de ações solidárias nas periferias de São Paulo (Reprodução/RAH)

O RAH, aplicativo desenvolvido pela Rede de Apoio Humanitário nas e das Periferias, conecta famílias e doares por meio da geolocalização de polos de ações solidárias espalhados pelas periferias mais afetadas pela pandemia de coronavírus na cidade de São Paulo.

Por Tamires Rodrigues

O app RAH (disponível para Android) é uma resposta da Rede de Apoio Humanitário nas e das Periferias para enfrentar as desigualdades sociais que aumentaram em grande escala nas periferias de São Paulo devido ao avanço da pandemia de coronavírus nos territórios.

Com um mapa com mais de 70 locais espalhados pelas quebradas da cidade, incluindo as regiões norte, sul, leste e oeste, famílias que estão em condições de vulnerabilidade social podem acessar doações de alimentos e produtos de higiene e limpeza ao se conectar com os polos mapeados, que são representados por associações comunitárias, templos religiosos, organizações sociais e coletivos culturais.

Antes da pandemia, esses polos de ações socioculturais já tinham a função de combater as desigualdades sociais em seus territórios, mas com a chegada da covid-19 nas periferias, essa missão precisou de atenção redobrada para atender as necessidades dos moradores que foram afetados de diversas maneiras pela crise em curso no Brasil.

Envolvido no processo de elaboração do aplicativo, o articulador comunitário Jesus do Santos, 35, morador do Parque Edu Chaves, na zona norte de São Paulo, afirma que a covid-19 só escancarou a realidade de quem vive nas periferias. Percebendo a extensão do problema, ele entendeu que construir uma rede de apoio digital seria a melhor estratégia para unir forças de diversos territórios para captar recursos e distribuir doações para os moradores que estão cadastrados. Assim, o aplicativo cumpre a missão de unir quem precisa e quem está batalhando para reduzir os impactos das desigualdades.

"A gente não vai dar conta de tudo, e com o aplicativo as pessoas podem ter uma maior mobilidade, podem se organizar. Isto foi o que nos motivou: o incômodo que despertou na gente", diz Santos.

No app RAH, o mapa de georreferenciamento cumpre uma função estratégica nesse momento de distanciamento social. "A gente reforça a proposta de aproximar o doador e doadora dos lugares de vulnerabilidade e risco social", afirma.

Santos acredita que a utilidade do app não se limita a este momento de pandemia. "Essa é uma ferramenta não só para agora, mas para um bom tempo de nossa sociedade". Pouco esperançoso sobre as melhorias que teremos no futuro, ele entende que o aplicativo ainda precisa passar por melhorias, pois, segundo ele, a rede terá que se fortalecer ainda mais, e o aplicativo também. "A ideia é que a gente possa ampliar as campanhas que a rede tem desenvolvido".

Descobriu polo perto de casa com o app

Polo de doação mapeado pelo RAH na zona norte de São Paulo (Arquivo pessoal)

Irani Dias, 49, moradora do Jardim Brasil, na periferia da zona norte, é ativista dos direitos humanos, atuante nos territórios de Vila Sabrina, Jardim Brasil, Vila Zilda e Lauzane Paulista. Ela é uma das colaboradoras da Almem (Associação de Luta Por Moradia Estrela da Manhã). A organização está cadastrada no app RAH e foi impactada pelo recebimento de doações nesse período por intermédio do aplicativo.

"No comecinho, talvez pela grande sensibilização, muita gente doou. Mas eu creio que agora que passou aquela euforia, as pessoas estão relaxando mais, não estão doando tanto quanto no começo", afirma Dias. Com a redução de doações, a exposição pelo aplicativo é uma das alternativas hoje para se conectar a doadores e continuar ajudando as famílias atendidas pela organização.

A articuladora até tentou mobilizar doações por uma comunicação fora do ambiente digital, mas não obteve retorno. "Eu não recebi um quilo de sal sequer", lembra. Já com o app, o resultado foi outro. "Chegou uma doação para gente, uma doação bem singela, que a moça se mobilizou com as amigas para arrecadar coisas para bebês. Aí ela viu na rede para quem doar e apareceu nosso contato no Jardim Brasil, o mais próximo de onde ela está", afirma. Essa doação, que continha fraldas, leite, absorventes e sabonetes, foi entregue para gestantes do bairro.

Dias afirma que muitos moradores no entorno da organização não conheciam o seu trabalho e que por causa do app a exposição do polo de doações alcançou outros lugares, que nem a própria articuladora consegue imaginar. "Essa moça mesmo que está a dois quarteirões da minha casa e da associação não conhecia nosso trabalho".

Embora esteja tendo um bom êxito com o apoio do aplicativo, a articuladora comunitária critica esse cenário, onde é preciso construir um mapa de georreferenciamento para expor uma necessidade que deveria ser o centro das atenções da sociedade e do poder público. "A necessidade existe, é como a violência: você coloca uma lupa nos períodos onde ela está em evidência e depois some, mas ela continua existindo ali", afirma.

Inteligência de dados e periferias

Atualmente, a Rede de Apoio Humanitário nas e das Periferias tem um grupo de trabalho focado no desenvolvimento de tecnologias. O desenvolvedor do aplicativo e um dos articuladores desse grupo é Gilmar Cintra, 31, morador da Brasilândia, periferia da zona norte de São Paulo. Ele é programador e estudante de Engenharia da Computação na Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo).

Cintra diz que a tecnologia é como um instrumento para gerar transformação social. E é a partir deste intuito que ele codificou as ideias da rede, estruturou e organizou os dados. A fase de elaboração que o aplicativo passou foi de desenho do protótipo, elaboração de proposta, desenvolvimento e fase de testes. "A gente está trabalhando em outra versão, com melhorias que torne mais fácil [o uso] e tenha mais informações da rede", afirma.

Segundo o desenvolvedor, umas das suas maiores dificuldades quando estava codificando as ideias da rede foi na captação dos dados. Ele acredita que a periferia tem uma grande defasagem de dados estruturados para se trabalhar. "Aqui na periferia é muito complicado resolver problemas pela simples falta de dados, porque quando você tem os dados, consegue fazer um mapeamento das coisas e saber onde deve cobrar o poder público. Com a falta desses dados tudo se torna muito mais difícil", diz.

"Quando comecei a desenvolver o aplicativo eu queria que a forma da manutenção e de editar as informações fosse de maneira fácil, então pensei porque não usar uma planilha online do Google pra fazer isso, aí compartilho a planilha com quem tem acesso administrativo para poder editar esses dados e tudo mais", afirma.

Mas para elaborar a forma como os polos de doações e o receptor iria se encontrar, Cintra montou uma estratégia computacional para reter informações. Ele automatizou uma planilha do Google, que contém informações básicas sobre os polos, e a partir do endereço de cada polo ele elaborou o mapa, buscando a longitude e latitude dos locais, fazendo da planilha a maior fonte de informação do aplicativo.

Segundo o desenvolvedor, a proposta da solução é ser mais que uma aplicação móvel, mas também uma plataforma com capacidade de explorar uma grande quantidade de dados para mapear e conectar diversos polos de São Paulo, onde todos possam acessar por tecnologias simples.

Sobre os autores

O Desenrola E Não Me Enrola é um coletivo de produção jornalística que atua a partir das periferias de São Paulo, investigando fatos invisíveis que geram grandes impactos sociais na vida dos moradores e moradoras dos territórios periféricos.

Sobre o Blog

Como a vida dos moradores das periferias vem sendo impactada pela revolução digital que transformou as relações sociais, econômicas, culturais e políticas? É isso que o coletivo de jornalismo Desenrola E Não Me Enrola vai contar aqui no blog, trazendo histórias diretamente de quebrada para você conhecer de maneira mais aprofundada esse contexto social que mescla recursos mobile, consumo, comportamento, redes sociais e inovação. Site: https://desenrolaenaomenrola.com.br/