"Falta respeito": projeto no WhatsApp ajuda doméstica a obter seus direitos
Como um grupo de WhatsApp está contribuindo com o acesso às informações sobre direitos trabalhistas das empregadas domésticas que vivem nas periferias?
Por Tamires Rodrigues
Atingidas pela crise econômica gerada pela pandemia de covid-19, as empregadas domésticas perderam postos de trabalho ou tiveram seus salários reduzidos para continuar no emprego. O que é certo e errado na relação entre empregadores e empregadas domésticas? Como esses profissionais acessam informações sobre seus direitos trabalhistas? O Quebrada Tech conversou com algumas profissionais que dedicaram parte da sua vida ao ramo de serviços domésticos para entender como elas estão lidando com as adversidades sobre o consumo de informações confiáveis e úteis neste momento.
Há 38 anos trabalhando como empregada doméstica, Selma de Sousa, 52, moradora de Artur Alvim, bairro da zona leste de São Paulo, acompanhou ao longo das últimas quatro décadas o processo de conquistas de direitos trabalhistas, que aos poucos foi dando um pouco mais de segurança para uma categoria de profissionais que em sua maioria é representada pela figura da mulher que mora nas periferias.
"A gente não tinha nada, a gente não tinha benefício nenhum, a única coisa que a gente tinha era carteira registrada, se o patrão quisesse, e o 13º [salário]", conta.
Para Sousa, além de direitos trabalhistas, as domésticas ainda precisam ser mais valorizadas. "Em primeiro lugar, falta mais respeito. Respeito que a maioria das pessoas não tem. Eu falo dos colarinhos brancos, dos políticos, sabe? Eles sempre colocam a gente lá embaixo, sendo que sem a gente eles não são nada, porque não sabem fritar um ovo", afirma.
Foi a partir destas inquietações que a moradora de Artur Alvim descobriu o Zap Zap das Domésticas, um grupo no WhatsApp, que tira dúvidas sobre direitos trabalhistas das empregadas domésticas de diversos territórios do Brasil. O primeiro contato com o grupo de WhatsApp ocorreu quando ela estava navegando pela timeline do Facebook. "São pessoas maravilhosas, você tem perguntas e elas têm as respostas, então para mim foi gratificante", afirma.
Uma das dúvidas relatadas pela doméstica foi sobre a quantidade de horas trabalhadas por dia. "Eu tinha dúvida se era oito horas com horário de almoço ou se com o horário de almoço era nove horas", conta. Após tirar suas dúvidas no grupo, Sousa foi conversar com seus patrões e estabelecer seus horários para organizar suas tarefas e os horários de almoço.
Após acessar uma série de informações importantes no ambiente de trocas do grupo, Sousa conclui que a experiência trouxe um importante impacto para sua vida pessoal e profissional. "Pensa numa baiana arretada? Sou eu. Eu brigo pelos meus direitos até o fim, se eu não conseguir, tudo bem, mas que eu vou brigar, eu vou".
Sousa diz que a luta pelos direitos trabalhistas das empregadas domésticas exige muita insistência e perseverança. "O que a gente não pode é sentar e esperar que aconteça, a gente tem que correr atrás. Eu falo isso porque já fiquei esperando, eu não sabia por onde começar, não tinha nem ideia onde poderia chegar e por qual meio podia chegar".
Ela lembra que já trabalhou muito na vida sem ter direito a nada e que hoje busca respostas para perseguir seus direitos. "Eu agradeço a Deus e a esse WhatsApp das domésticas, porque elas me incentivaram a correr atrás dos nossos direitos".
Durante a pandemia, Sousa ficou afastada por quase três meses e retomou as atividades profissionais em julho. "No serviço não mudou nada, o que mudou foram alguns costumes que é o uso da máscara e o álcool".
Risco de volta do quartinho da empregada
O projeto Zap Zap das Domésticas foi idealizado pelo Observatório do Direito e Cidadania da Mulher, que através de um grupo de pesquisadoras montou um guia dos direitos das domésticas em 2016. O material ensina o que está escrito na lei que considera os direitos trabalhistas das domésticas, com base em diversas referências bibliográficas. E em busca de tornar essa pesquisa mais acessível às trabalhadoras, as idealizadoras criaram em 2018 o grupo no WhatsApp.
"A partir do guia, a gente percebeu que eram assuntos complexos e que a oralidade seria muito importante. Talvez além da linguagem escrita, com outros tipos de linguagem –visual, símbolos e áudios–, a gente conseguiria contemplar essa diversidade no WhatsApp para atingir o maior número de trabalhadoras possível", conta Mariana Fidelis, 34, advogada e umas das pesquisadoras do Observatório do Direito e Cidadania da Mulher.
Fidelis conta que as maiores dúvidas que aparecem no grupo Zap Zap das Domésticas é sobre rescisão de contrato, compensação de horas e tempo para mover ações trabalhistas. "Lembrando que a maioria da categoria não chega a receber um salário mínimo, principalmente as diaristas, que as diárias delas no final do mês não somam o valor de um salário mínimo", diz a pesquisadora.
Durante a pandemia, as pesquisadoras perceberam que essas informações precisavam circular por todos os meios de comunicação possível, pois previam que teria um retrocesso e uma escassez de direitos para esse momento. "A gente viu uma urgência em retomar o projeto, diante dos números de abusos, das exigências de casas de família e patrões, para que elas se isolassem dentro da casa, havendo aí uma reformulação do quartinho de empregada, do quartinho de serviço, que já estava cada vez mais sendo menos utilizado, dentro do nosso contexto social e econômico", afirma Fidelis.
Hoje o grupo Zap Zap das Domésticas possui 570 participantes. As pesquisadoras produzem uma grande diversidade de conteúdos informativos com base nas pesquisas feitas no Observatório do Direito e Cidadania da Mulher, como em seu canal no YouTube, que tem uma série de vídeo que trazem informações sobre direitos das empregadas domésticas.
Além desses materiais, o projeto está prestes a lançar uma revista falando sobre a história de lutas dos direitos das domésticas.
Sem WhatsApp, informação vem pelo telejornal
Como é a vida de uma trabalhadora que não tem conhecimento do grupo Zap Zap das Domésticas? Conhecemos a história de Maria de Brito, também conhecida na sua quebrada por Mazé, 60 anos, moradora do Parque Santo Amaro, zona sul da cidade.
Após um dia intenso de idas e vindas de transporte público, ela relata que após finalizar o trabalho na casa dos patrões que residem no Campo Belo, bairro de classe média da zona sul de São Paulo, tomar um banho e assistir à televisão se tornaram um ritual para descansar o corpo e distrair a mente.
"Eu trabalho em casa de família desde meus 12 anos de idade", conta Mazé. Com 48 anos de experiência como empregada doméstica, ela vê poucas mudanças em relação aos seus direitos trabalhistas.
"Eles puseram esse negócio de uma hora de almoço para as domésticas, mas a maioria não pode cumprir esse horário, porque se a gente cumpre esse horário de almoço atrasa tudo e você acaba saindo mais tarde", afirma Mazé.
Durante a pandemia, Mazé não parou seus trabalhos. "A pandemia todinha eu trabalhei, só que é assim: você vai com medo, você vem com medo. Atrasa um pouco tanto para ir quanto para voltar, porque eu fico esperando um ônibus vazio para vir, né".
Em meio à pandemia, os patrões dela forneceram uniformes, álcool em gel e reduziram a carga horária. "Mas não tem outra coisa, não posso parar, tenho que ir".
A informação do grupo do Zap Zap das Domésticas ainda não chegou para a moradora do Parque Santo Amaro. O único canal para se atualizar sobre seus direitos costuma a ser a televisão. "Eu vejo alguma informação quando passa no jornal falando sobre o direito das domésticas. Aí que fico sabendo de alguma coisa", afirma.
Ela conta que essa história de direito trabalhista só chegou à sua vida quando ela já tinha mais de 35 anos. "Você acredita que meu primeiro registro na carteira foi aos 37 anos?"
"Acho que agora os patrões têm um pouquinho mais de respeito pelos funcionários, não é aquela coisa ainda, mas você já tem como reclamar alguma coisa, pedir um aumento. Naquela época, se você entrasse no serviço era dez anos com o mesmo salário", diz.
Mazé finaliza fazendo uma suposição sobre o impacto do grupo do Zap Zap das Domésticas, caso ele existisse há mais tempo na vida das empregadas domésticas. "Seria bom, a gente ia receber bastante informação, mais ideias das outras colegas. E se tivesse isso no passado, a gente não teria tanta perda igual tivemos dos nossos direitos antigamente".
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.