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Internet livre garante saque de auxílio emergencial a moradora da quebrada

Quebrada Tech

19/08/2020 04h00

O filho de Jaqueline Cristina usa a banda larga do projeto Conexões Contra o Covid (Arquivo pessoal/ Jaqueline Cristina)

Criado por meio de campanha de financiamento coletivo, espaço virtual de acesso à internet Conexões contra o Covid, no Fundão do Ipiranga, em São Paulo (SP), garante que famílias afetadas pela pandemia tenham banda larga gratuita, gerando impactos culturais e econômicos

Por Tamires Rodrigues

Durante a pandemia, a moradora do Fundão do Ipiranga, zona sul de São Paulo, Maria Nilda, compreendeu que seria necessário criar um espaço virtual com acesso à internet livre para mais de 500 famílias, que foram impactadas pelas desigualdades sociais crescentes entre moradores das periferias e favelas paulistanas.

Uma das famílias impactadas pelo espaço virtual de internet é a de Jaqueline Cristina, 30, moradora do Jardim São Savério, um dos bairros que fazem parte do Fundão do Ipiranga. Atualmente, ela compartilha seu ponto de internet com mais de dez vizinhos. "Na verdade, minha internet sempre foi compartilhada. Aqui no quintal são três famílias", conta.

"Eu tinha internet em casa, mas com a pandemia, perdi meu emprego e não tive condições de pagar. A gente ia cancelar porque estava sem dinheiro. Minhas irmãs estão afastadas porque estão grávidas e meus cunhados tiveram cortes no orçamento. A gente ia optar pelo corte da internet", acrescenta.

Com a ativação do espaço virtual, a moradora conseguiu manter a internet compartilhada com 12 vizinhos sem precisar pagar mensalidade, fator que dá liberdade para além de acessar o universo digital, pois o isolamento social contribuiu para aumentar o número de pessoas dentro de casa e as preocupações econômicas.

"Esse dinheiro que eu pagava [a internet], estou usando para complementar a alimentação das minhas crianças e higiene, porque agora a gente gasta mais, né: produtos de limpeza para desinfetar a casa, álcool em gel, produto sanitário. Agora com todo mundo dentro de casa, consome mais água, luz e alimentação", afirma.

Cristina diz que a internet auxilia em coisas essenciais como acessar o benefício do auxílio emergencial. "Na pandemia, o essencial é o Caixa Tem. Sem ele, a gente não consegue mexer no auxílio do governo, porque é a única fonte de renda que a gente está tendo".

Ao imaginar como seria se ela não tivesse acesso ao espaço virtual para receber o auxílio emergencial, a moradora diz:

"Eu ia ter que procurar algum wi-fi ou algum vizinho para me emprestar o sinal para fazer minha transferência".

Para Cristina, o espaço virtual lhe dá oportunidade de lidar melhor com as adversidades que a pandemia vem causando. "Agora com a internet dá para distrair a mente, para as crianças estudarem, dá para a gente aprender alguma coisa em casa. Agora que fico muito tempo dentro de casa, escuto bastante música e meu filho vê desenho. Sem a internet não ia conseguir, né? E a televisão só passa coisa triste, não dá para a criança assistir a isso toda hora".

Consciente da importância do espaço virtual de internet livre, Nilda se questiona se a iniciativa teria sido suficiente para que todas as pessoas do território tivessem acesso à rede, pois ainda existe a barreira de ter os equipamentos eletrônicos. "Isso ficou ainda mais evidente quando as pessoas passaram a ter acesso à internet, mas não tinham como acessar por não possuir aparelhos suficientes em casa ou mesmo de qualidade", diz a moradora, que atua nos movimentos comunitários do Fundão do Ipiranga desde 1999.

O fato dos celulares serem mais acessíveis aos moradores contribui para aumentar o consumo de informação e conteúdos diversos. Mas, segundo Nilda, se os moradores tivessem acesso a um computador, eles poderiam produzir conteúdo.

Vulnerabilidade social

Segundo a pesquisa TIC Domicílios, da Fundação Seade, o acesso à internet reduz consideravelmente entre paulistanos que residem em áreas com altas taxas de vulnerabilidade social. Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, 825 mil em situação de vulnerabilidade não têm acesso a esse tipo de conexão, ou seja, 42% dos domicílios pesquisados.

Outro dado da pesquisa aponta que nas áreas de maior vulnerabilidade o celular é o principal dispositivo para acessar a internet para quase 70% dos usuários pesquisados. Enquanto nas áreas de menor vulnerabilidade, o uso de celulares cai para 45%, dando espaço para outros dispositivos como notebooks e desktops.

De acordo com a TIC Domicílios, nas áreas de menor vulnerabilidade da região metropolitana de São Paulo, 40% dos entrevistados usam internet para estudar. Já nas áreas de maior vulnerabilidade, esse indicador cai para 25%.

Estudar a distância é um dos maiores desafios impostos pela pandemia e a pesquisa da TIC Domicílios aponta que os mais vulneráveis economicamente saem em desvantagem.

Filha de José Carlos acessa o YouTube e aulas virtuais usando o celular (Arquivo pessoal/ José Carlos)

Esse cenário faz parte do cotidiano de José Carlos, 38, morador do Parque Bristol. Ele é um dos beneficiados com o espaço virtual de internet. Ele ajuda sua filha com as aulas virtuais e a internet se tornou uma ferramenta fundamental para a família.

Antes do espaço virtual, Carlos utilizava uma internet de 10 mega e pagava R$ 65 mensais. Hoje, ele utiliza uma internet compartilhada de 25 mega e já consegue sentir a melhora da velocidade ao navegar na internet e se distrair com conteúdos de sua preferência.

"A escola está tendo essas aulas por internet. O sinal era ruim e minha filha não conseguia acessar direito. Mas agora aumentou a velocidade, ficou bem melhor", diz.

"Isso chegou na hora certa. Devido à pandemia, minha empresa fechou, estamos todos sem trabalhar", acrescenta. Hoje, com os R$ 65 que seriam gastos com a internet, Carlos contribui com as despesas essenciais em casa.

Ao final da entrevista, perguntamos para o morador do Parque Bristol como seria ficar sem internet na quebrada nesse momento de pandemia. Com ar de gratidão, ele fala sobre o impacto da banda larga no cotidiano da sua filha. "Ela se distrai bastante no aparelhinho. Fica mexendo ou liga na televisão ou então assiste ao YouTube. Já pensou se não tivesse? Aí ficaria difícil. A única opção que ela ia ter é ficar correndo, brincando no meio do beco, e aí já é meio perigoso, né?"

Sobre os autores

O Desenrola E Não Me Enrola é um coletivo de produção jornalística que atua a partir das periferias de São Paulo, investigando fatos invisíveis que geram grandes impactos sociais na vida dos moradores e moradoras dos territórios periféricos.

Sobre o Blog

Como a vida dos moradores das periferias vem sendo impactada pela revolução digital que transformou as relações sociais, econômicas, culturais e políticas? É isso que o coletivo de jornalismo Desenrola E Não Me Enrola vai contar aqui no blog, trazendo histórias diretamente de quebrada para você conhecer de maneira mais aprofundada esse contexto social que mescla recursos mobile, consumo, comportamento, redes sociais e inovação. Site: https://desenrolaenaomenrola.com.br/