Quebrada Tech http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br Como a vida dos moradores das periferias vem sendo impactada pela revolução digital que transformou as relações sociais, econômicas, culturais e políticas? É isso que o coletivo de jornalismo Desenrola E Não Me Enrola vai contar aqui no blog, trazendo histórias diretamente de quebrada para você conhecer de maneira mais aprofundada esse contexto social que mescla recursos mobile, consumo, comportamento, redes sociais e inovação. Wed, 02 Sep 2020 07:00:42 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Vozes da quebrada: podcasts viram canal para aproximar mulheres nos bairros http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/09/02/vozes-da-quebrada-podcasts-estabelecem-dialogo-com-mulheres-da-periferia/ http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/09/02/vozes-da-quebrada-podcasts-estabelecem-dialogo-com-mulheres-da-periferia/#respond Wed, 02 Sep 2020 07:00:42 +0000 http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/?p=793

A Coletiva Subversiva é formada por jovens comunicadoras de Parelheiros, zona sul de São Paulo (Arquivo pessoal)

Comunicadoras que atuam nos distritos de Parelheiros e Capão Redondo, em São Paulo, estão apostando no podcast como ferramenta mais acessível e democrática para criar um diálogo mais próximo e afetivo com moradoras das quebradas de São Paulo.

Por Tamires Rodrigues

“Não queremos e não podemos falar pelo território, devemos falar com o território, falar com as mulheres que aqui estão”, afirma Beatriz Klein, 18, moradora nascida e criada em Parelheiros, distrito da zona sul de São Paulo. Ela é integrante da Coletiva Subversiva, um grupo de cinco mulheres comunicadoras da região que criaram o podcast “Balbúrdia” com o intuito de informar principalmente as mulheres do bairro.

Maternidade da mulher negra, autocuidado da mulher da periferia, educomunicação e educação sexual são alguns dos temas já abordados pelo podcast Balbúrdia. Segundo a produtora, os conteúdos servem como pontes entre mulheres para que elas possam expressar suas subjetividades em um espaço digital. “As convidadas são mulheres que são referência para nós e que nos inspiram, mulheres periféricas que sempre somam com o território de forma positiva e transformadora”, afirma Beatriz.

O podcast surge como um processo de diálogo coletivo. O bate-papo que dá origem a entrevista é realizado através de uma reunião no Google Meet. “Gravamos esse bate-papo, então a conversa fica mais orgânica e conseguimos interagir muito mais e ainda respeitamos o isolamento”, diz.

A periodicidade dos episódios é quinzenal, porém a maior dificuldade encontrada pelo grupo para produzir não é a elaboração de conteúdo, mas sim a conexão de internet que muitas vezes costuma cair no momento das reuniões online que dão origem às entrevistas. “Na maioria das gravações caímos da reunião em muitos momentos. Isso atrapalha porque perdemos a meada da conversa durante a gravação”, relata Beatriz.

A inspiração vinda da troca de saberes por meio da comunicação é o que mantém o podcast na ativa, apesar das dificuldades para acessar uma internet de qualidade. “Acreditamos na importância de trocar saberes e alimentar o nosso aquilombamento”, afirma.

“Quilombos duraram e resistiram por décadas nesse país, eles se ensinavam e se escutavam, aprenderam a lutar, a plantar. Sempre lembro que Teresa de Benguela criou um parlamento dentro do quilombo para que tomassem decisões justas e alinhadas”, acrescenta.

Beatriz Klein ressalta a importância de destacar pessoas negras como referências nos conteúdos produzidos. “Buscamos em conjunto racializar nossas pautas e lembrar sempre que antes de qualquer característica ou situação social, o que chega primeiro é a cor da pele”.

O podcast está disponível no SpotifyGoogle Podcasts, Anchor e Overcast

Ele é dividido em blocos e a transição de um  bloco para o outro é por meio de uma música de autoria das próprias convidadas.

A jornalista Gisele Alexandre produz o podcast Manda Notícias em sua casa ( Alex Silva)

Informação de qualidade sobre a pandemia

No início da pandemia, a jornalista Gisele Alexandre começou a se perguntar como iria contribuir para levar informação para o seu bairro. Neste meio tempo, ela começou a receber mensagens no seu WhatsApp de pessoas que estavam com dúvidas sobre o novo coronavírus. “Aí eu pensei: via áudio parece que eu consigo esclarecer as dúvidas e passar isso para mais gente, Foi então que surgiu a ideia de montar um podcast”, diz.

A moradora do Parque Munhoz, no distrito Capão Redondo, zona sul de São Paulo, criou o podcast “Manda Notícias“, um boletim informativo com as principais notícias sobre a pandemia de covid-19.

Gisele levou uma semana para elaborar a ideia do podcast, começando pelo aprendizado do uso de softwares para edição de áudios, e colocou no ar.

“Fiz um lista de distribuição no WhatsApp com 200 números de amigos, colegas e familiares. Essas pessoas me acionavam mais, e mandei o podcast para eles”, diz a jornalista sobre o inicio dos trabalhos para distribuir o podcast.

A partir do feedback dos moradores, a jornalista foi percebendo novas possibilidades para o conteúdo ter maior alcance, construindo uma página de divulgação no Facebook e mensagens instantâneas no WhatsApp .

“Minha grande preocupação sempre foi levar informação de qualidade”, afirma Gisele. Ela diz que uma de suas maiores dificuldades para a produção do podcast foi a falta de dados públicos para conseguir passar informação de qualidade para seus ouvintes.

Para lidar com essa falta de transparência do poder público, a jornalista adotou novas estratégias para captação de dados de forma orgânica e consistente. “Eu me inscrevi em todos os meios de informação oficial, no Telegram do governo do estado, ficava no pé da prefeitura, com e-mails diretamente para a prefeitura, para a secretaria de saúde”, detalha.

Além do intuito de democratizar o acesso à informação, a jornalista ressalta a necessidade de potencializar e fazer com que vozes femininas ocupem o espaço na comunicação digital. “O machismo existe em todas as relações. E isso não é diferente na comunicação, pelo contrário”, afirma.

Gisele considera que os melhores meios para se ter mais pluralidade de vozes se expressando na comunicação digital é a partir da autoafirmação das mulheres. “O que a gente consegue é entender um pouco mais esse nosso lugar, e se expressar a partir disso”.

Recentemente o episódio do podcast Manda Notícias que traz a pauta de violência contra mulher foi premiado como segundo melhor podcast pelo Instituto Jatobás, organização que vem investindo em projetos de combate às desigualdades sociais nas periferias de São Paulo.

Gisele relata que após produzir 60 episódios durante cinco meses com conteúdos publicados toda segunda-feira, quarta-feira e sexta-feira, foi possível formar uma lista de transmissão com 500 pessoas. Após atingir essa audiência, Gisele resolveu encerrar a temporada para pensar em novas abordagens que tenham mais elementos para uma comunicação eficiente.

“Eu encerrei a primeira fase para pensar em um Manda Notícias do futuro. O que eu posso contribuir para essas relações que estabeleci é através do podcast”, finaliza.

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Cineasta “preta nerd” cria produtora de vídeo para representar comunidades http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/08/26/cineasta-da-quebrada-retrata-drama-do-morador-da-periferia-na-pandemia/ http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/08/26/cineasta-da-quebrada-retrata-drama-do-morador-da-periferia-na-pandemia/#respond Wed, 26 Aug 2020 07:00:10 +0000 http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/?p=781

A produtora audiovisual Naná Prudêncio entrevista moradora para o documentário “Pandemia do Sistema” (Kaique Boaventura)

Você já parou para pensar como as tecnologias do audiovisual podem impactar a vida e o imaginário dos moradores das periferias? Equipamentos, softwares e cursos de produção audiovisual formam um conjunto de técnicas e saberes que poucos brasileiros têm acesso no mundo digital.

Por Tamires Rodrigues

A fotógrafa, videomaker e fundadora da produtora Zalika Produções, Naná Prudêncio, se reconhece como uma “Preta nerd”, por entender que a tecnologia alimenta seus sonhos e a capacidade de interpretar o mundo a sua volta.

A produtora tem como propósito construir novos saberes e narrativas, a partir de histórias de pessoas periféricas que representam de fato o seu cotidiano. Ela destaca que a criação da produtora está conectada com a sua autoafirmação profissional. “Eu acho que o início da Zalika foi eu acreditar que ia ter que construir o meu espaço, não só para mim, mas para as pessoas pretas, principalmente mulheres pretas”.

Segundo Naná, a Zalika Produções tem proposta de realizar projetos audiovisuais, artísticos, educacionais e culturais. Ela busca inspiração em comunidades e grupos culturais marginalizados para produzir e apresentar conteúdos transformadores em forma de arte e com novas narrativas.

Durante a pandemia, Naná iniciou um processo de registrar as ações solidárias em curso em diversas quebradas de São Paulo para produzir o filme “Pandemia do Sistema”, que aborda como o racismo, o desemprego, a insuficiência no atendimento de saúde nos territórios periféricos durante a pandemia do novo coronavírus resultam em uma catástrofe.

“Surgiu nessa ideia de mostrar para nós da quebrada que tem gente passando fome, tem gente na miséria na sua rua, na sua viela, no seu bairro, no seu quarteirão, e mostrar para o sistema em geral que nós não estamos de chapéu, a gente sabe o que está acontecendo e a gente sabe que a população preta e periférica é a que mais está morrendo de covid-19, porque é a que mais morre de tudo mesmo”, diz Naná.

Possibilidade de sonhar

Naná conta que as tecnologias do audiovisual transformaram a sua vida. “Eu acho que o audiovisual me trouxe a possibilidade de sonhar, sabe? Antes do audiovisual, eu estava sem vontade nenhuma de sonhar”, afirma.

Ela lembra que o interesse pela produção audiovisual surgiu na quebrada onde ela mora, no Parque Pinheiros, bairro de Taboão da Serra (SP). Foi a partir do envolvimento com movimentos culturais e sociais do território que surgiram as primeiras oportunidades de fotografar eventos culturais e esportivos.

“Eu faço parte de um time de várzea e a gente faz as festas das crianças, essas coisas. E a oportunidade veio aí: toda vez que tinha festa, os meninos jogavam uma câmera na minha mão e eu começava a tirar umas fotos”, lembra.

Naná Prudêncio tem como propósito retratar histórias de pessoas da periferia e seu real cotidiano ( Nina Vieira)

A produtora conta que pegava uma câmera emprestada para treinar e produzir conteúdos audiovisuais e, assim, ela conseguiu uma bolsa de 50% para ingressar no curso de audiovisual na faculdade. “Antes de fazer a faculdade eu já estava tirando umas fotinhas lá e cá, com câmera emprestada”.

A partir desse momento, surgiu a oportunidade de fazer o primeiro estágio em uma produtora audiovisual. No entanto, Naná não se sentiu pertencente às narrativas produzidas pela empresa, pois elas não falavam sobre ela, os moradores das periferias e a cultura da quebrada.

“Eu já me via uma profissional do audiovisual, fazia câmera, fazia edição, trabalhava com produtora de desfile de moda, mas não estava satisfeita”, afirma. A partir da sua insatisfação, resolveu investir sua experiência profissional para criar a sua própria produtora, com sua identidade. Assim nasceu a Zalika Produções.

Após uma série de experiências profissionais bem-sucedidas e outras nem tanto, ela faz uma breve reflexão sobre a importância da tecnologia em sua vida hoje. “A tecnologia me faz buscar entender cada movimento que está acontecendo ao meu redor, seja com o meu computador, minha câmera ou drone”.

Hoje, ela utiliza o acesso à tecnologia para aprender novas técnicas de audiovisual e se aprimorar.

“Agora estou na fase da ilustração, já tive a fase do vídeo, tive a fase do drone, vou indo de pouquinho e tento sugar o máximo de informação naquele segmento do audiovisual”, diz a produtora, que através de novas referências e aprendizados tenta criar suas próprias técnicas para ampliar o repertório de conteúdo da Zalika Produções. “Depois da ilustração, eu quero ser craque em tratamento de cor, quero deixar os vídeos tipo o Kondzilla, tá ligado”.

Quando era mais jovem, essa cultura de acesso à informação era algo bem raro em seu cotidiano. “O máximo de acesso que a gente tinha era um computador velho, que travava toda hora, e televisão”.

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Internet livre garante saque de auxílio emergencial a moradora da quebrada http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/08/19/internet-livre-garante-saque-de-auxilio-emergencial-a-moradora-da-quebrada/ http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/08/19/internet-livre-garante-saque-de-auxilio-emergencial-a-moradora-da-quebrada/#respond Wed, 19 Aug 2020 07:00:09 +0000 http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/?p=767

O filho de Jaqueline Cristina usa a banda larga do projeto Conexões Contra o Covid (Arquivo pessoal/ Jaqueline Cristina)

Criado por meio de campanha de financiamento coletivo, espaço virtual de acesso à internet Conexões contra o Covid, no Fundão do Ipiranga, em São Paulo (SP), garante que famílias afetadas pela pandemia tenham banda larga gratuita, gerando impactos culturais e econômicos

Por Tamires Rodrigues

Durante a pandemia, a moradora do Fundão do Ipiranga, zona sul de São Paulo, Maria Nilda, compreendeu que seria necessário criar um espaço virtual com acesso à internet livre para mais de 500 famílias, que foram impactadas pelas desigualdades sociais crescentes entre moradores das periferias e favelas paulistanas.

Uma das famílias impactadas pelo espaço virtual de internet é a de Jaqueline Cristina, 30, moradora do Jardim São Savério, um dos bairros que fazem parte do Fundão do Ipiranga. Atualmente, ela compartilha seu ponto de internet com mais de dez vizinhos. “Na verdade, minha internet sempre foi compartilhada. Aqui no quintal são três famílias”, conta.

“Eu tinha internet em casa, mas com a pandemia, perdi meu emprego e não tive condições de pagar. A gente ia cancelar porque estava sem dinheiro. Minhas irmãs estão afastadas porque estão grávidas e meus cunhados tiveram cortes no orçamento. A gente ia optar pelo corte da internet”, acrescenta.

Com a ativação do espaço virtual, a moradora conseguiu manter a internet compartilhada com 12 vizinhos sem precisar pagar mensalidade, fator que dá liberdade para além de acessar o universo digital, pois o isolamento social contribuiu para aumentar o número de pessoas dentro de casa e as preocupações econômicas.

“Esse dinheiro que eu pagava [a internet], estou usando para complementar a alimentação das minhas crianças e higiene, porque agora a gente gasta mais, né: produtos de limpeza para desinfetar a casa, álcool em gel, produto sanitário. Agora com todo mundo dentro de casa, consome mais água, luz e alimentação”, afirma.

Cristina diz que a internet auxilia em coisas essenciais como acessar o benefício do auxílio emergencial. “Na pandemia, o essencial é o Caixa Tem. Sem ele, a gente não consegue mexer no auxílio do governo, porque é a única fonte de renda que a gente está tendo”.

Ao imaginar como seria se ela não tivesse acesso ao espaço virtual para receber o auxílio emergencial, a moradora diz:

“Eu ia ter que procurar algum wi-fi ou algum vizinho para me emprestar o sinal para fazer minha transferência”.

Para Cristina, o espaço virtual lhe dá oportunidade de lidar melhor com as adversidades que a pandemia vem causando. “Agora com a internet dá para distrair a mente, para as crianças estudarem, dá para a gente aprender alguma coisa em casa. Agora que fico muito tempo dentro de casa, escuto bastante música e meu filho vê desenho. Sem a internet não ia conseguir, né? E a televisão só passa coisa triste, não dá para a criança assistir a isso toda hora”.

Consciente da importância do espaço virtual de internet livre, Nilda se questiona se a iniciativa teria sido suficiente para que todas as pessoas do território tivessem acesso à rede, pois ainda existe a barreira de ter os equipamentos eletrônicos. “Isso ficou ainda mais evidente quando as pessoas passaram a ter acesso à internet, mas não tinham como acessar por não possuir aparelhos suficientes em casa ou mesmo de qualidade”, diz a moradora, que atua nos movimentos comunitários do Fundão do Ipiranga desde 1999.

O fato dos celulares serem mais acessíveis aos moradores contribui para aumentar o consumo de informação e conteúdos diversos. Mas, segundo Nilda, se os moradores tivessem acesso a um computador, eles poderiam produzir conteúdo.

Vulnerabilidade social

Segundo a pesquisa TIC Domicílios, da Fundação Seade, o acesso à internet reduz consideravelmente entre paulistanos que residem em áreas com altas taxas de vulnerabilidade social. Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, 825 mil em situação de vulnerabilidade não têm acesso a esse tipo de conexão, ou seja, 42% dos domicílios pesquisados.

Outro dado da pesquisa aponta que nas áreas de maior vulnerabilidade o celular é o principal dispositivo para acessar a internet para quase 70% dos usuários pesquisados. Enquanto nas áreas de menor vulnerabilidade, o uso de celulares cai para 45%, dando espaço para outros dispositivos como notebooks e desktops.

De acordo com a TIC Domicílios, nas áreas de menor vulnerabilidade da região metropolitana de São Paulo, 40% dos entrevistados usam internet para estudar. Já nas áreas de maior vulnerabilidade, esse indicador cai para 25%.

Estudar a distância é um dos maiores desafios impostos pela pandemia e a pesquisa da TIC Domicílios aponta que os mais vulneráveis economicamente saem em desvantagem.

Filha de José Carlos acessa o YouTube e aulas virtuais usando o celular (Arquivo pessoal/ José Carlos)

Esse cenário faz parte do cotidiano de José Carlos, 38, morador do Parque Bristol. Ele é um dos beneficiados com o espaço virtual de internet. Ele ajuda sua filha com as aulas virtuais e a internet se tornou uma ferramenta fundamental para a família.

Antes do espaço virtual, Carlos utilizava uma internet de 10 mega e pagava R$ 65 mensais. Hoje, ele utiliza uma internet compartilhada de 25 mega e já consegue sentir a melhora da velocidade ao navegar na internet e se distrair com conteúdos de sua preferência.

“A escola está tendo essas aulas por internet. O sinal era ruim e minha filha não conseguia acessar direito. Mas agora aumentou a velocidade, ficou bem melhor”, diz.

“Isso chegou na hora certa. Devido à pandemia, minha empresa fechou, estamos todos sem trabalhar”, acrescenta. Hoje, com os R$ 65 que seriam gastos com a internet, Carlos contribui com as despesas essenciais em casa.

Ao final da entrevista, perguntamos para o morador do Parque Bristol como seria ficar sem internet na quebrada nesse momento de pandemia. Com ar de gratidão, ele fala sobre o impacto da banda larga no cotidiano da sua filha. “Ela se distrai bastante no aparelhinho. Fica mexendo ou liga na televisão ou então assiste ao YouTube. Já pensou se não tivesse? Aí ficaria difícil. A única opção que ela ia ter é ficar correndo, brincando no meio do beco, e aí já é meio perigoso, né?”

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“Falta respeito”: projeto no WhatsApp ajuda doméstica a obter seus direitos http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/08/12/falta-respeito-projeto-no-whatsapp-ajuda-domestica-a-obter-seus-direitos/ http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/08/12/falta-respeito-projeto-no-whatsapp-ajuda-domestica-a-obter-seus-direitos/#respond Wed, 12 Aug 2020 07:00:00 +0000 http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/?p=749

A trabalhadora Selma Sousa acessa as conversas no grupo Zap Zap das Domésticas (Emerson Santos)

Como um grupo de WhatsApp está contribuindo com o acesso às informações sobre direitos trabalhistas das empregadas domésticas que vivem nas periferias?

Por Tamires Rodrigues

Atingidas pela crise econômica gerada pela pandemia de covid-19, as empregadas domésticas perderam postos de trabalho ou tiveram seus salários reduzidos para continuar no emprego.  O que é certo e errado na relação entre empregadores e empregadas domésticas? Como esses profissionais acessam informações sobre seus direitos trabalhistas? O Quebrada Tech conversou com algumas profissionais que dedicaram parte da sua vida ao ramo de serviços domésticos para entender como elas estão lidando com as adversidades sobre o consumo de informações confiáveis e úteis neste momento.

Há 38 anos trabalhando como empregada doméstica, Selma de Sousa, 52, moradora de Artur Alvim, bairro da zona leste de São Paulo, acompanhou ao longo das últimas quatro décadas o processo de conquistas de direitos trabalhistas, que aos poucos foi dando um pouco mais de segurança para uma categoria de profissionais que em sua maioria é representada pela figura da mulher que mora nas periferias.

“A gente não tinha nada, a gente não tinha benefício nenhum, a única coisa que a gente tinha era carteira registrada, se o patrão quisesse, e o 13º [salário]“, conta.

Para Sousa, além de direitos trabalhistas, as domésticas ainda precisam ser mais valorizadas. “Em primeiro lugar, falta mais respeito. Respeito que a maioria das pessoas não tem. Eu falo dos colarinhos brancos, dos políticos, sabe? Eles sempre colocam a gente lá embaixo, sendo que sem a gente eles não são nada, porque não sabem fritar um ovo”, afirma.

Foi a partir destas inquietações que a moradora de Artur Alvim descobriu o Zap Zap das Domésticas, um grupo no WhatsApp, que tira dúvidas sobre direitos trabalhistas das empregadas domésticas de diversos territórios do Brasil.  O primeiro contato com o grupo de WhatsApp ocorreu quando ela estava navegando pela timeline do Facebook. “São pessoas maravilhosas, você tem perguntas e elas têm as respostas, então para mim foi gratificante”, afirma.

Uma das dúvidas relatadas pela doméstica foi sobre a quantidade de horas trabalhadas por dia. “Eu tinha dúvida se era oito horas com horário de almoço ou se com o horário de almoço era nove horas”, conta. Após tirar suas dúvidas no grupo, Sousa foi conversar com seus patrões e estabelecer seus horários para organizar suas tarefas e os horários de almoço.

Após acessar uma série de informações importantes no ambiente de trocas do grupo, Sousa conclui que a experiência trouxe um importante impacto para sua vida pessoal e profissional. “Pensa numa baiana arretada? Sou eu. Eu brigo pelos meus direitos até o fim, se eu não conseguir, tudo bem, mas que eu vou brigar, eu vou”.

Sousa diz que a luta pelos direitos trabalhistas das empregadas domésticas exige muita insistência e perseverança. “O que a gente não pode é sentar e esperar que aconteça, a gente tem que correr atrás. Eu falo isso porque já fiquei esperando, eu não sabia por onde começar, não tinha nem ideia onde poderia chegar e por qual meio podia chegar”.

Ela lembra que já trabalhou muito na vida sem ter direito a nada e que hoje busca respostas para perseguir seus direitos. “Eu agradeço a Deus e a esse WhatsApp das domésticas, porque elas me incentivaram a correr atrás dos nossos direitos”.

Durante a pandemia, Sousa ficou afastada por quase três meses e retomou as atividades profissionais em julho. “No serviço não mudou nada, o que mudou foram alguns costumes que é o uso da máscara e o álcool”.

Risco de volta do quartinho da empregada


O projeto Zap Zap das Domésticas foi idealizado pelo Observatório do Direito e Cidadania da Mulher, que através de um grupo de pesquisadoras montou um guia dos direitos das domésticas em 2016. O material ensina o que está escrito na lei que considera os direitos trabalhistas das domésticas, com base em diversas referências bibliográficas. E em busca de tornar essa pesquisa mais acessível às trabalhadoras, as idealizadoras criaram em 2018 o grupo no WhatsApp.

“A partir do guia, a gente percebeu que eram assuntos complexos e que a oralidade seria muito importante. Talvez além da linguagem escrita,  com outros tipos de linguagem –visual, símbolos e áudios–, a gente conseguiria contemplar essa diversidade no WhatsApp para atingir o maior número de trabalhadoras possível”, conta Mariana Fidelis, 34, advogada e umas das pesquisadoras do Observatório do Direito e Cidadania da Mulher.

Fidelis conta que as maiores dúvidas que aparecem no grupo Zap Zap das Domésticas é sobre rescisão de contrato, compensação de horas e tempo para mover ações trabalhistas. “Lembrando que a maioria da categoria não chega a receber um salário mínimo, principalmente as diaristas, que as diárias delas no final do mês não somam o valor de um salário mínimo”, diz a pesquisadora.

Durante a pandemia, as pesquisadoras perceberam que essas informações precisavam circular por todos os meios de comunicação possível, pois previam que teria um retrocesso e uma escassez de direitos para esse momento.  “A gente viu uma urgência em retomar o projeto, diante dos números de abusos, das exigências de casas de família e patrões, para que elas se isolassem dentro da casa, havendo aí uma reformulação do quartinho de empregada, do quartinho de serviço, que já estava cada vez mais sendo menos utilizado, dentro do nosso contexto social e econômico”, afirma Fidelis.

Hoje o grupo Zap Zap das Domésticas possui 570 participantes. As pesquisadoras produzem uma grande diversidade de conteúdos informativos com base nas pesquisas feitas no Observatório do Direito e Cidadania da Mulher, como em seu canal no YouTube, que tem uma série de vídeo que trazem informações sobre direitos das empregadas domésticas.

Além desses materiais, o projeto está prestes a lançar uma revista falando sobre a história de lutas dos direitos das domésticas.

Sem WhatsApp, informação vem pelo telejornal

A empregada doméstica Maria de Brito assiste ao telejornal para ficar informada sobre direitos trabalhistas (Arquivo pessoal/Brenda Brito)

Como é a vida de uma trabalhadora que não tem conhecimento do grupo Zap Zap das Domésticas? Conhecemos a história de Maria de Brito, também conhecida na sua quebrada por Mazé, 60 anos, moradora do Parque Santo Amaro, zona sul da cidade.

Após um dia intenso de idas e vindas de transporte público, ela relata que após finalizar o trabalho na casa dos patrões que residem no Campo Belo, bairro de classe média da zona sul de São Paulo, tomar um banho e assistir à televisão se tornaram um ritual para descansar o corpo e distrair a mente.

“Eu trabalho em casa de família desde meus 12 anos de idade”, conta Mazé. Com 48 anos de experiência como empregada doméstica, ela vê poucas mudanças em relação aos seus direitos trabalhistas.

“Eles puseram esse negócio de uma hora de almoço para as domésticas, mas a maioria não pode cumprir esse horário, porque se a gente cumpre esse horário de almoço atrasa tudo e você acaba saindo mais tarde”, afirma Mazé.

Durante a pandemia, Mazé não parou seus trabalhos. “A pandemia todinha eu trabalhei, só que é assim: você vai com medo, você vem com medo. Atrasa um pouco tanto para ir quanto para voltar, porque eu fico esperando um ônibus vazio para vir, né”.

Em meio à pandemia, os patrões dela forneceram uniformes, álcool em gel e reduziram a carga horária. “Mas não tem outra coisa, não posso parar, tenho que ir”.

A informação do grupo do Zap Zap das Domésticas ainda não chegou para a moradora do Parque Santo Amaro. O único canal para se atualizar sobre seus direitos costuma a ser a televisão. “Eu vejo alguma informação quando passa no jornal falando sobre o direito das domésticas. Aí que fico sabendo de alguma coisa”, afirma.

Ela conta que essa história de direito trabalhista só chegou à sua vida quando ela já tinha mais de 35 anos. “Você acredita que meu primeiro registro na carteira foi aos 37 anos?”

“Acho que agora os patrões têm um pouquinho mais de respeito pelos funcionários, não é aquela coisa ainda, mas você já tem como reclamar alguma coisa, pedir um aumento. Naquela época, se você entrasse no serviço era dez anos com o mesmo salário”, diz.

Mazé finaliza fazendo uma suposição sobre o impacto do grupo do Zap Zap das Domésticas, caso ele existisse há mais tempo na vida das empregadas domésticas. “Seria bom, a gente ia receber bastante informação, mais ideias das outras colegas. E se tivesse isso no passado, a gente não teria tanta perda igual tivemos dos nossos direitos antigamente”.

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Youtuber faz rolê virtual na quebrada usando simulador de linhas de ônibus http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/08/05/youtuber-faz-role-virtual-na-quebrada-usando-simulador-de-linhas-de-onibus/ http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/08/05/youtuber-faz-role-virtual-na-quebrada-usando-simulador-de-linhas-de-onibus/#respond Wed, 05 Aug 2020 07:00:10 +0000 http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/?p=740

Youtuber prepara manobra de ônibus no Terminal Jardim Ângela, zona sul da cidade (Arquivo Pessoal)

As lives do Matrix Games que mais chamam atenção dos seguidores retratam a simulação de linhas de ônibus nas periferias da zona sul de São Paulo. O canal do Youtube tem mais de 260 mil seguidores e se prepara para atingir a marca de 50 milhões de visualizações.

Por Ronaldo Matos

Enquanto o youtuber Phillip Barbosa, conhecido como Matrix nas redes sociais, inicia mais uma live manobrando um ônibus da linha 737A-10, que faz o trajeto Metrô Praça da Árvore  – Terminal Jardim Ângela, seguidores começam a reconhecer o bairro e os locais por onde o simulador passa. Com um console formado por três monitores, volante, câmbio para troca de marchas e pedais para frear e acelerar, ele engaja as pessoas a olhar de maneira diferente para o bairro e para o transporte público, por meio de jogos que transmitem realismo.

Morador do Jardim Mazza, no distrito do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo, Matrix transformou sua paixão por games, presente na sua vida desde a adolescência, em uma forma de homenagear as linhas de ônibus do bairro onde mora.

“A minha paixão por ônibus surgiu desde criança. Eu sempre fui apaixonado por ônibus. Sempre brincava com caixinhas de pasta de dente simulando como se fosse um ônibus”, diz.

O youtuber conta que na fase da pré-adolescência era muito difícil economizar dinheiro para comprar um computador, mas quando essa oportunidade surgiu, ele não hesitou em comprar. “”Foi daí que conheci os jogos de caminhão. No decorrer dos dias começou a aparecer jogos de ônibus e eu não parei mais. A minha paixão por ônibus estava ficando mais nítida para mim”.

Na live (vídeo acima), que faz um trajeto no simulador passando pela estrada do M’Boi Mirim, o canal registrou um grande volume de interações

A partir deste momento, Barbosa passou a ficar mais próximo do universo dos jogos simuladores. Um dos marcos desta época foi a compra do Euro Truck Simulator 2, jogo que oferece suporte para ônibus também. “Eu sempre fui fanático pelos simuladores, gosto de simular muito a realidade trazendo mais realismo possível”, afirma.

Com o simulador, o gamer consegue escolher qual local de saída, como bairro ou terminal de transporte público, pegar passageiros na plataforma, escolher o limite de pessoas para embarcar nos ônibus e a quantidade de carros nas ruas, fazer a planilha de rota e escolher o ônibus que deseja. O jogo ainda oferece outras configurações que podem ser descobertas por meio de tutoriais, assim como Matrix fez.

“Aprendo muito através de tutoriais que temos na plataforma, e, claro, eu também já fiz tutorial ensinando a galera de como baixar e jogar nos computadores e celulares. No momento, os jogos que levo para o canal são o Euro Truck Simulator 2, OMSI 2, Proton Bus Simulator (Android e PC) e o Fernbus Coach Simulator”, diz.

Após passar um bom tempo estudando como customizar e pilotar diferentes modelos de ônibus, o youtuber passou a usar o seu canal para realizar lançamentos de modelos exclusivos de coletivos, fazendo inclusive parceria com marcas de turismo intermunicipal e interestadual.

Nas lives realizadas pelo youtuber, linhas de ônibus do Terminal Jardim Ângela e Terminal Santo Amaro podem ser facilmente reconhecidos pelo público. Segundo ele, esse é um dos atrativos que engaja os seus seguidores a acompanhar o seu trabalho.

Durante esta live (vídeo acima), o youtuber percorreu três diferentes bairros do Jardim Ângela, levando o ônibus até a garagem para simular o final da operação da linha

“Recentemente um amigo meu fez o bairro onde eu moro, chamado de Jardim Mazza, que fica paralelo à estrada do M’Boi Mirim. O nome do bairro dentro do jogo ficou Jardim Matrix, saindo justamente da rua onde eu moro e fazendo um percurso que existe na vida real, indo até o Terminal Santo Amaro. A sensação foi muito boa e fiquei muito feliz por ver isso dentro de um jogo”, afirma.

Para Barbosa, morar na periferia e poder produzir conteúdos como gamer ajuda pessoas que não conhecem esse mundo dos jogos. Grande parte de seu público é de moradores das periferias. “Para uma pessoa que mora na periferia é muito difícil poder sair e ir se divertir em shopping e jogar naqueles fliperamas. A grande maioria dos módulos que disponibilizamos é gratuita, justamente para beneficiar as pessoas mais carentes da nossa comunidade”, diz.

Barbosa está com o seu canal no Youtube e página no Facebook há seis anos. Ele conta que saiu recentemente do trabalho em um supermercado, que era bastante corrido, e passou a se dedicar ainda mais ao universo dos games, atuando apenas como youtuber.

O canal Matrix Games surgiu em maio de 2014 sem nenhuma pretensão de ser uma referência no universo gamer. Segundo o youtuber, era apenas um passatempo. Inspirado pelo youtuber Dudu Moura, Barbosa começou a gravar game plays, séries e tutoriais. “A partir daí não parei mais, o sonho tomou forma, ganhou proporções e hoje conta com mais de 260 mil de inscritos. Estamos provando que com empenho e amor ao que faz, o resultado é sempre o mesmo: o sucesso”.

Atualmente, o canal Matrix Games se prepara para atingir a marca de 50 milhões de visualizações. O que antes era diversão, hoje acabou se tornando um instrumento de trabalho para o morador do Jardim Mazza, território que virou parte do jogo, passando a ter a linha de ônibus Jardim Matrix.

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Parteiras apoiam grávidas da quebrada pelo WhatsApp e em encontros virtuais http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/07/29/parteiras-apoiam-gravidas-da-quebrada-pelo-whatsapp-e-em-encontros-virtuais/ http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/07/29/parteiras-apoiam-gravidas-da-quebrada-pelo-whatsapp-e-em-encontros-virtuais/#respond Wed, 29 Jul 2020 07:00:59 +0000 http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/?p=725

A parteira Ciléia Biaggioli responde dúvidas e faz atendimentos a gestantes pelo WhatsApp (Foto: Julia Biaggioli)

Você já parou para pensar como a pandemia está afetando psicologicamente e fisicamente as gestantes que moram nas periferias de São Paulo? A questão motivou a parteira Ciléia Biaggioli, 42, a adotar uma plataforma digital de reunião como ambiente para difundir o conhecimento sobre gestação e parto humanizado

Por Tamires Rodrigues

Impedido de realizar o atendimento presencial às gestantes que residem em territórios periféricos, um grupo de doulas e parteiras que fazem parte do coletivo Sopro de Vida, onde Ciléia Biaggioli,  moradora de Parelheiros, zona sul de São Paulo, é uma das integrantes, começou a pensar em formas de promover o bem-estar físico e emocional de futuras mamães durante a pandemia de covid-19.

Para Ciléia, a medicina ocidental produz pouco apoio emocional e físico para as gestantes, reduzindo a mulher apenas a um corpo que dá a luz. “Você vai para um hospital parir com pessoas completamente desconhecidas, que faz um toque em você a todo o momento sem te perguntar se você quer e se pode, né?”, diz.

“Por que o médico sempre sabe mais? A gente coloca um médico no endeusamento, em um lugar que é muito negativo para gente, como se ele soubesse da gente mais do que a gente mesmo”, acrescenta.

A parteira afirma que a essência do parto humanizado está no resgate de uma tradição perdida ao longo das gerações. “É o resgate de um rito de celebração, de um momento de passagem, de um nascimento de uma mãe, de um pai, de uma criança, de uma nova família”, diz.

Todas as sextas-feiras, às 17 horas, ela promove encontros virtuais que visam acolher e informar gestantes ou mães na condição de pós-parto. “A gente deixa o link para o nosso grupo aberto no WhatsApp para as gestantes que quiserem entrar. Algumas gestantes têm muitas dificuldades de acesso à internet e nem sempre conseguem entrar na roda virtual, mas elas podem tirar as dúvidas no grupo de WhatsApp. A gente deixou esse momento bem aberto para poder fazer esses acolhimentos”, conta Ciléia.

A qualidade dos serviços e da distribuição da internet nas periferias é um tema bastante comum que já discutimos em outras publicações no Quebrada Tech, mas no caso das gestantes, essa condição de infraestrutura gera outros impactos para além do acesso.

“A periferia não tem internet direito. Então mesmo a roda virtual é muito ruim”, diz a parteira. Ela acredita que durante a pandemia, a falta de acesso à internet e a desigualdade dos direitos digitais dificultaram ainda mais o simples ato de tirar uma dúvida. “Para mulheres que quiserem fazer perguntas, a gente deixou nosso telefone e o zap na página, porque é muito difícil, né”.

Para Ciléia, o WhatsApp foi a solução encontrada para atender em uma situação de urgência, apesar das dificuldades com a internet. “Às vezes demora meia hora para chegar um WhatsApp, mas ele vai chegar, entendeu? Aí é diferente de uma conversa, de uma videochamada. Se pergunta uma coisa, tem que responder ali na hora, não tem outra saída”, diz.

Por conta da má qualidade da internet no distrito de Parelheiros, Ciléia conta que durante as rodas e os trabalhos que exigem um grande tráfego de dados, ela e sua família vão para a casa da sogra, localizada no Cambuci, região central de São Paulo, para poder trabalhar.

“Por exemplo, a internet hoje está impossível, e a gente está fazendo um festival online de inverno de Parelheiros. A família inteira está indo para o Cambuci porque não tem o que ser feito, a internet cai toda hora, não funciona. Você não consegue anexar, não consegue fazer as coisas. Trabalhamos com edição de vídeo, aí tem que subir para o Youtube, uma coisa que na internet do Cambuci demora dois minutos, lá demora um dia e meio”, compara a parteira.

Tratar as dores

Andréa Martinelli, 26, mora na Vila Marcelo, na periferia da zona sul de São Paulo. Mãe solo, professora, pós-graduada em psicopedagogia, ela é uma das organizadoras do encontro virtual. Ela é responsável por mobilizar mulheres das periferias para a roda, pois a equipe percebe que o parto humanizado ainda é uma informação distante para gestantes periféricas. “A gente convida e muitas vezes elas não têm tempo, sabe? Esse tempo de poder parar mesmo, que é uma vez por semana, uma hora e meia, ter esse tempo para ter uma troca”.

Para conseguir acessar essas mulheres grávidas, as organizadoras estão em busca de divulgar os encontros virtuais para gestantes que frequentam unidades básicas de saúde nas periferias. “A gente está tentando levar essa divulgação para a UBS, para eles passarem para as gestantes e elas saberem que existem as rodas”, afirma.

Além da organização do coletivo Sopro de Vida, cada encontro conta com a colaboração de outras iniciativas e profissionais do parto humanizado, como o Mama Ekos e a doula Esther Marcondes. O trabalho de acompanhamento das gestantes é semanal, mas as organizadoras já pensam em maneiras de torná-lo diário.

Andréa diz que as rodas são importantes para desconstruir todos os conceitos pré-estabelecidos que elas aprenderam sobre gestação. “Quando a gente faz esse acompanhamento para gestantes e preparamos elas para o parto, a gente ajuda a diminuir a chance dela sofrer violência obstétrica, delas serem enganadas nos hospitais, e a gente também mostra as opções que elas têm. Se é uma gestação saudável, ela pode parir em uma casa de parto, pode parir em casa com parteira, enfim, tem outras opções”, diz.

Assim como a internet, a telemedicina não chegou para todas as mulheres gestantes da periferia. Sabendo disso, as organizadoras da roda virtual utilizam a escuta como uma abordagem para tratar dores emocionais e físicas da forma mais humana e natural possível. “A gente busca sempre usar formas medicinais, usar ervas naturais, para conseguir tratar algum tipo de enjoo ou outro sintoma que a gestante esteja sentido. E também tenta trabalhar a parte emocional. Então, antes disso, a gente conversa: ‘aconteceu tal coisa com você? Passou alguma coisa essa semana?’ A gente vai buscando questões emocionais que levaram a mulher a sentir esses sintomas”.

“Amigas que apoiam umas às outras”

Mãe da Manuela, de três meses de idade, Suzane Mayumi, 26, moradora de Parelheiros, conheceu a roda virtual por meio de Andréa Martinelli. Durante sua gestação, ela foi acompanhada pela Andréa e Ciléia até seu bebê nascer. Hoje, ela acompanha a roda para falar sobre sua experiência e como está sendo a segunda maternidade. “É mais um grupo de amigas que apoiam umas às outras”, diz.

Consciente do impacto do grupo de apoio na sua gestação, ela faz um relato da experiência:

“Consegui tirar minhas dúvidas e obtive mais conhecimento na roda, pois me alertaram como não sofrer abuso no parto, como que seria o trabalho de parto, o que fazer nas situações de trabalho de parto e amamentação também, para pegar de maneira correta e não machucar a mama”, conta.

A moradora teve sua primeira filha aos 19 anos. Naquela época suas maiores dificuldades foram a falta de informação, que a levou a ter experiências difíceis na sua primeira gestação.

Nas rodas durante esse período de quarentena, ela sugere para as mães doarem o leite materno. “Nessa pandemia o banco de leite caiu muito e precisa da doação para manter o estoque e  ter leite para os recém-nascidos”, diz.

No final da entrevista, a parteira Ciléia faz uma analogia entre o momento atual e o processo de gestação. “Eu brinco que a quarentena é um grande ‘puerpério’. O puerpério é esse momento da lua negra, o momento que o parto aconteceu e a gente entra então nessa introspecção, esse momento de amamentação que é um momento muito difícil, que a sociedade fala pouco e a gente tão pouco compreende”.

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App cria mapa que informa famílias de locais de doações de alimentos http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/07/22/app-conecta-doadores-a-redes-solidarias-que-ajudam-familias-nas-periferias/ http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/07/22/app-conecta-doadores-a-redes-solidarias-que-ajudam-familias-nas-periferias/#respond Wed, 22 Jul 2020 07:00:56 +0000 http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/?p=711

Mapa do aplicativo RAH com os polos de ações solidárias nas periferias de São Paulo (Reprodução/RAH)

O RAH, aplicativo desenvolvido pela Rede de Apoio Humanitário nas e das Periferias, conecta famílias e doares por meio da geolocalização de polos de ações solidárias espalhados pelas periferias mais afetadas pela pandemia de coronavírus na cidade de São Paulo.

Por Tamires Rodrigues

O app RAH (disponível para Android) é uma resposta da Rede de Apoio Humanitário nas e das Periferias para enfrentar as desigualdades sociais que aumentaram em grande escala nas periferias de São Paulo devido ao avanço da pandemia de coronavírus nos territórios.

Com um mapa com mais de 70 locais espalhados pelas quebradas da cidade, incluindo as regiões norte, sul, leste e oeste, famílias que estão em condições de vulnerabilidade social podem acessar doações de alimentos e produtos de higiene e limpeza ao se conectar com os polos mapeados, que são representados por associações comunitárias, templos religiosos, organizações sociais e coletivos culturais.

Antes da pandemia, esses polos de ações socioculturais já tinham a função de combater as desigualdades sociais em seus territórios, mas com a chegada da covid-19 nas periferias, essa missão precisou de atenção redobrada para atender as necessidades dos moradores que foram afetados de diversas maneiras pela crise em curso no Brasil.

Envolvido no processo de elaboração do aplicativo, o articulador comunitário Jesus do Santos, 35, morador do Parque Edu Chaves, na zona norte de São Paulo, afirma que a covid-19 só escancarou a realidade de quem vive nas periferias. Percebendo a extensão do problema, ele entendeu que construir uma rede de apoio digital seria a melhor estratégia para unir forças de diversos territórios para captar recursos e distribuir doações para os moradores que estão cadastrados. Assim, o aplicativo cumpre a missão de unir quem precisa e quem está batalhando para reduzir os impactos das desigualdades.

“A gente não vai dar conta de tudo, e com o aplicativo as pessoas podem ter uma maior mobilidade, podem se organizar. Isto foi o que nos motivou: o incômodo que despertou na gente”, diz Santos.

No app RAH, o mapa de georreferenciamento cumpre uma função estratégica nesse momento de distanciamento social. “A gente reforça a proposta de aproximar o doador e doadora dos lugares de vulnerabilidade e risco social”, afirma.

Santos acredita que a utilidade do app não se limita a este momento de pandemia. “Essa é uma ferramenta não só para agora, mas para um bom tempo de nossa sociedade”. Pouco esperançoso sobre as melhorias que teremos no futuro, ele entende que o aplicativo ainda precisa passar por melhorias, pois, segundo ele, a rede terá que se fortalecer ainda mais, e o aplicativo também. “A ideia é que a gente possa ampliar as campanhas que a rede tem desenvolvido”.

Descobriu polo perto de casa com o app

Polo de doação mapeado pelo RAH na zona norte de São Paulo (Arquivo pessoal)

Irani Dias, 49, moradora do Jardim Brasil, na periferia da zona norte, é ativista dos direitos humanos, atuante nos territórios de Vila Sabrina, Jardim Brasil, Vila Zilda e Lauzane Paulista. Ela é uma das colaboradoras da Almem (Associação de Luta Por Moradia Estrela da Manhã). A organização está cadastrada no app RAH e foi impactada pelo recebimento de doações nesse período por intermédio do aplicativo.

“No comecinho, talvez pela grande sensibilização, muita gente doou. Mas eu creio que agora que passou aquela euforia, as pessoas estão relaxando mais, não estão doando tanto quanto no começo”, afirma Dias. Com a redução de doações, a exposição pelo aplicativo é uma das alternativas hoje para se conectar a doadores e continuar ajudando as famílias atendidas pela organização.

A articuladora até tentou mobilizar doações por uma comunicação fora do ambiente digital, mas não obteve retorno. “Eu não recebi um quilo de sal sequer”, lembra. Já com o app, o resultado foi outro. “Chegou uma doação para gente, uma doação bem singela, que a moça se mobilizou com as amigas para arrecadar coisas para bebês. Aí ela viu na rede para quem doar e apareceu nosso contato no Jardim Brasil, o mais próximo de onde ela está”, afirma. Essa doação, que continha fraldas, leite, absorventes e sabonetes, foi entregue para gestantes do bairro.

Dias afirma que muitos moradores no entorno da organização não conheciam o seu trabalho e que por causa do app a exposição do polo de doações alcançou outros lugares, que nem a própria articuladora consegue imaginar. “Essa moça mesmo que está a dois quarteirões da minha casa e da associação não conhecia nosso trabalho”.

Embora esteja tendo um bom êxito com o apoio do aplicativo, a articuladora comunitária critica esse cenário, onde é preciso construir um mapa de georreferenciamento para expor uma necessidade que deveria ser o centro das atenções da sociedade e do poder público. “A necessidade existe, é como a violência: você coloca uma lupa nos períodos onde ela está em evidência e depois some, mas ela continua existindo ali”, afirma.

Inteligência de dados e periferias

Atualmente, a Rede de Apoio Humanitário nas e das Periferias tem um grupo de trabalho focado no desenvolvimento de tecnologias. O desenvolvedor do aplicativo e um dos articuladores desse grupo é Gilmar Cintra, 31, morador da Brasilândia, periferia da zona norte de São Paulo. Ele é programador e estudante de Engenharia da Computação na Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo).

Cintra diz que a tecnologia é como um instrumento para gerar transformação social. E é a partir deste intuito que ele codificou as ideias da rede, estruturou e organizou os dados. A fase de elaboração que o aplicativo passou foi de desenho do protótipo, elaboração de proposta, desenvolvimento e fase de testes. “A gente está trabalhando em outra versão, com melhorias que torne mais fácil [o uso] e tenha mais informações da rede”, afirma.

Segundo o desenvolvedor, umas das suas maiores dificuldades quando estava codificando as ideias da rede foi na captação dos dados. Ele acredita que a periferia tem uma grande defasagem de dados estruturados para se trabalhar. “Aqui na periferia é muito complicado resolver problemas pela simples falta de dados, porque quando você tem os dados, consegue fazer um mapeamento das coisas e saber onde deve cobrar o poder público. Com a falta desses dados tudo se torna muito mais difícil”, diz.

“Quando comecei a desenvolver o aplicativo eu queria que a forma da manutenção e de editar as informações fosse de maneira fácil, então pensei porque não usar uma planilha online do Google pra fazer isso, aí compartilho a planilha com quem tem acesso administrativo para poder editar esses dados e tudo mais”, afirma.

Mas para elaborar a forma como os polos de doações e o receptor iria se encontrar, Cintra montou uma estratégia computacional para reter informações. Ele automatizou uma planilha do Google, que contém informações básicas sobre os polos, e a partir do endereço de cada polo ele elaborou o mapa, buscando a longitude e latitude dos locais, fazendo da planilha a maior fonte de informação do aplicativo.

Segundo o desenvolvedor, a proposta da solução é ser mais que uma aplicação móvel, mas também uma plataforma com capacidade de explorar uma grande quantidade de dados para mapear e conectar diversos polos de São Paulo, onde todos possam acessar por tecnologias simples.

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“Veinho” Marx e mais: youtuber traduz filosofia para linguagem da periferia http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/07/15/veinho-marx-e-mais-youtuber-traduz-filosofia-para-linguagem-da-periferia/ http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/07/15/veinho-marx-e-mais-youtuber-traduz-filosofia-para-linguagem-da-periferia/#respond Wed, 15 Jul 2020 07:00:15 +0000 http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/?p=698

“A favela também pode ter filosofia”, diz o youtuber Marcelo Marques (Arquivo pessoal/ Marcelo Marques)

Jovem da periferia da Paulínia, no interior de São Paulo, cria um canal de YouTube que traduz pensamentos de filósofos utilizando exemplos do cotidiano de moradores da quebrada.

Por Tamires Rodrigues

Em menos de um mês, o canal de YoutubeAudino Vilão” ganhou mais de 68 mil inscritos. Criada por Marcelo Marques, 18, morador do Conjunto Habitacional Vida Nova, localizado na periferia de Paulínia, no interior de São Paulo, a iniciativa utiliza a linguagem da periferia, formada por gírias e jargões populares elaborados por moradores da quebrada, para traduzir ideias de pensadores e filósofos que marcaram época e moldam a forma de pensar da sociedade.

Um vídeo recente chamado “Traduzindo Karl Marx para gírias paulistas” viralizou em redes sociais como Facebook e Instagram e alcançou 190 mil visualizações.

Marques afirma que a filosofia tem o poder de cativar as pessoas a produzir conhecimento. Essa percepção veio de maneira espontânea, através de um professor que dava aula para ele na metade do ensino médio. “Eu não tive incentivo na escola porque quando estudei filosofia mal tinha aula. Eu realmente tive aula de filosofia só na metade do segundo ano do ensino médio”, lembra.

Em busca de cativar outras pessoas, o jovem cursa atualmente licenciatura em História no formato EAD (ensino a distância). Ele utiliza os conteúdos baixados durante as aulas online para elaborar os roteiros dos vídeos publicados no canal.

“Eu tenho todas as aulas de filosofia baixadas. Eu dou uma revisada, converso com alguns professores que tenho contato e elaboro o roteiro, tá ligado?”, diz. 

Segundo Marques, o canal nasceu para ser um meio de despertar o questionamento filosófico na vida das pessoas com uma linguagem acessível que chega às quebradas. Ele acredita que essa é uma das maneiras de “distribuir para a favela no pique Robin Hood”.

O trabalho dedicado a produzir vídeos para o Youtube não é recente na vida do jovem. Antes de destacar a filosofia como principal tema das produções, ele produzia vídeos com outros conteúdos, porém foi falando sobre pensadores e filósofos que Marques descobriu um novo jeito de elaborar os conteúdos para o canal.

“Eu mudei o formato do vídeo por causa da demanda, o pessoal começou a gostar”, conta ele, justificando que o vídeo sobre o “veinho gordinho e ‘rouba brisa'” foi uma tentativa de tornar cômico os pensamentos de Karl Marx.

“Eu gravei o vídeo de Karl Marx na intenção de ser uma comédia, de ser um negócio um pouco mais engraçado, mas quando eu fui ver o vídeo –eu sempre assisto meus vídeos antes de postar–, eu vi que ficou algo bem didático. Aí falei: mano, por que não postar?”

Marques não edita seus vídeos. Ele apenas grava no seu celular, aprova a estética e publica na plataforma. “Eu não tenho equipamento para isso, né. Eu tenho meu notebook, que, coitado, tá veinho, não aguenta rodar [os programas de edição de vídeo] Sony Vegas, After Effects ou Premiere. Não aguenta, não”.

Neste momento, onde o canal começa a dar sinais de mais engajamento para o seu público, o youtuber diz que está fazendo uma vaquinha online para investir em equipamentos que vão aprimorar a ambientação dos seus vídeos.

“Minha dificuldade mesmo é, às vezes, minha mãe me chamar no meio de uma gravação, um bagulho assim”. Segundo ele, a ambientação ajudará na elaboração dos vídeos, bem como na construção da identidade do conteúdo. “Os caras passando, cortando de giro, o carro do ovo, essas coisas. Mas isso também ajuda na ambientação da favela, para a gente se sentir bastante acolhido, se sentir encaixado no vídeo”, completa.

Os seguidores do canal têm uma forte influência na seleção dos assuntos abordados nos vídeos. “Eu estou atendendo alguns pedidos, tipo Espinosa. Espinosa foi muito pedido. Segunda-feira vai ter Bauman, tem muita gente me pedindo e eu vou atender”, diz.

Marques está notando um crescimento na demanda de estudantes que estão se preparando para o Enem, e isso o deixa atento para atender esse público de inscritos no canal. “Boa para quem tem cursinho pago online, boa para quem o EAD funciona. Quem mora na roça se deu mal, porque não chega nem sinal de celular, imagina de internet. Quem não tem condição de ter wi-fi em casa também se deu mal. Então o governo não está nem aí, não está dando base para o estudo. Acho importante estudar pela internet, vou tentar fazer o máximo de filósofos mainstream”, diz.

O youtuber revela uma lista de pensadores que serão tema dos próximos episódios de vídeos em seu canal:

“Já fechei a trilha dos socráticos, vou ver se eu trago os pré-socráticos“, acrescenta.

Para dar sua contribuição para quem está se preparando para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ele está elaborando conteúdos que vão impactar uma parcela considerável de estudantes das periferias, que têm dificuldade para compreender e fazer uma leitura de mundo, a partir da obras desses pensadores.

“Eu pego a ideia do cara e falo: mano, como isso aqui está no meu dia a dia? Como isso está no dia a dia dos meus amigos? Dos meus parças? Por exemplo, hoje eu falei do dualismo cartesiano. Aí eu falei: mano, vou comparar com WhatsApp, porque faz sentido, é um bagulho que todo mundo vê, todo mundo tem, um bagulho assim”, diz Marques.

Aproveitando uma frase famosa no cotidiano de seus parças, ele mostra que o conhecimento existe, mas com interpretações de mundo diferentes. “A favela também tem várias frases, entendeu? Os moleques carregam tipo ‘comigo quem quiser, contra mim quem puder’. Poow! Super Maquiavel isso aí, tá ligado?”, diz

O youtuber traz essa releitura da periferia para que o morador seja capaz de refletir sobre sua atual condição no seu território.

“Faço muito mais voltado para a reflexão e atitude dentro da favela, para você quebrar esse cotidiano, para você fazer mais que só suas tarefas, que você faça suas tarefas pensando”, diz.

Marques diz ter o sonho de que um dia a sua mensagem chegue nas casas de várias quebradas do Brasil.

“Minha intenção é essa: fazer com que a favela também detenha o conhecimento de filosofia e que também saia filósofo da favela, que o bagulho não fique só naquele velhinho barbudo elitista cheio de dinheiro, que vai fazer um doutorado na gringa. A favela também pode ter filosofia”, afirma.

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Empresa de fibra ótica fornece à quebrada internet rápida na pandemia http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/07/08/com-foco-na-quebrada-empresa-de-internet-lucra-e-gera-emprego-na-pandemia/ http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/07/08/com-foco-na-quebrada-empresa-de-internet-lucra-e-gera-emprego-na-pandemia/#respond Wed, 08 Jul 2020 07:00:04 +0000 http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/?p=686

Equipe de vendas e atendimento da VeloxNet, empresa que se destaca pelos planos de internet voltados para a periferia (Arquivo pessoal)

Consumidores conseguiram emprego e acesso a internet durante a pandemia graças aos serviços prestados por uma empresa que fornece fibra ótica nas periferias de Diadema e em bairros da zona sul da cidade de São Paulo.

Por Tamires Rodrigues

Moradores, comércio local e serviços essenciais nas periferias de Diadema e bairros da zona sul de São Paulo só conseguiram acesso a internet durante a pandemia de coronavírus para manter a rotina de trabalho graças aos serviços oferecidos por uma pequena empresa que fornece fibra ótica chamada VeloxNet.

O desinteresse das grandes operadoras de telecomunicação em atender a região também contribuiu para a VeloxNet obter um aumento nas vendas de planos de internet nesse período de quarentena. “A gente percebe o quanto o morador da periferia é deficiente da parte de tecnologia, de internet. A gente vê um preconceito das grandes operadoras”, diz Marcelo Vicente, 52, um dos sócio-fundadores da empresa.

“Estamos com um serviço de extrema necessidade no meio da pandemia. ‘Todo mundo vai precisar da gente’, dissemos. Tivemos que entender, nos proteger e conversar com nossos funcionários. Aí a gente fez aqui um protocolo anticovid”, acrescenta.

Assim que iniciou a pandemia, a empresa adaptou os prazos de pagamento, dando prazo maior para os clientes pagarem as mensalidades pendentes. Com essa medida, Vicente relata que muitos moradores conseguiram se adequar ao pagamento e o consumo até aumentou. “O consumo na pandemia triplicou. Todo mundo em casa, todo mundo precisando usar internet , muitas pessoas trabalhando em casa, as crianças que não iam para escola precisando de internet”, diz.

Ao notar o crescimento da demanda, a empresa buscou entender as necessidades dos moradores para flexibilizar a forma de pagamento. “No pior período da pandemia, entre março e abril, nós isentamos a taxa de ativação e colocamos taxa zero para a pessoa só ter a despesa após 30 dias de utilização”, afirma.

Vicente defende que a empresa precisa se adaptar ao ritmo dos moradores para pensar em suas necessidades básicas e não só em lucro.”Independente de nós termos uma empresa com fins lucrativos , que precisa gerar lucros, a gente entende também que estamos em um outro mercado, onde hoje é preciso ter um entendimento de duas mãos”.

Atualmente a empresa oferece planos com velocidades de 20, 30, 45, 70 e 120 MB. Os preços variam entre R$ 69,90 e R$ 129,90. Outra media para atender o aumento nas vendas e instalação foi estender o horário de funcionamento, fazendo plantões de suporte aos moradores aos domingos e aumentando o quadro de funcionários.

Nos últimos 60 dias, a empresa contratou dez funcionários para ajudar a organizar as demandas. “Hoje é nossa política de trabalho só pegarmos pessoas da comunidade para trabalhar conosco. Mesmo que não tenham experiência, nós contratamos e treinamos”, diz Vicente.

Letícia Abrahão, 22, é moradora do Jardim Ubirajara, um dos bairros que fazem parte distrito da Cidade Ademar, território onde a VeloxNet atua. Ela foi contratada pela empresa há trinta dias para trabalhar no setor de vendas e recepção. “Estava atrás [de empreto] há muito tempo. Foi difícil, mas consegui”, diz Abrahão, lembrando que antes da pandemia já estava frustrada por não encontrar emprego em nenhum lugar.

Atualmente a moradora leva 20 minutos no percurso de casa para seu trabalho. Nem sempre foi assim. Ela já chegou a passar uma hora e meia em trânsito para chegar ao antigo trabalho. “Era cansativo demais”, diz. Hoje, Abrahão diz que não precisa acordar muito cedo e tem tempo para fazer os seus deveres.

Para Vicente, esse impacto na vida da colaboradora tem uma conexão direta com o fato de a empresa apoiar o desenvolvimento da economia local. “A gente vai almoçar no bar da esquina, a gente vai arrumar o pneu no borracheiro da esquina, a gente vai trocar um vidro no vidraceiro da esquina. Hoje nós somos consumidores do bairro também, não saímos daqui para fazer nada, entendeu?”.

Descaso com o cliente

Robson Willian produz lives de jogos em plataformas de games para gerar renda durante a pandemia (Rebeka Santos)

Morador do bairro Cidade Julia, localizado no distrito de Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo, Robson Willian, 27, é cliente há nove meses da VeloxNet. Antes ele usava os serviços de uma operadora tradicional, mas estava insatisfeito. “Eu usava a Vivo, uma empresa que faz descaso com o cliente. Ela não atendia, não dava suporte. A internet era muito ruim. Aqui na região antigamente só existia a Vivo, então nós ficávamos muito limitados em realizar algumas tarefas. Até para assistir filmes na Netflix, só rolava se alguém não estivesse navegando em nada”, conta.

O morador compara o serviço prestado pela antiga empresa e a de hoje. “Além da qualidade absurda do serviço, o preço é acessível, o suporte é rápido, eles são flexíveis em questão de datas de pagamento. São coisas que a outra empresa não fornecia. Se eu estivesse com a Vivo, não estaria fazendo nem 1/3 do que estou fazendo”.

Atualmente Willian está passando a maior parte do tempo em casa. Ele depende da internet para desenvolver a sua vida profissional, focada na produção de streaming de jogos em seu canal na Twitch TV.  “Meu maior consumo é na realização de streaming. Além de levar entretenimento legal para a galera, consigo alguns trocados para ajudar nas contas de casa. Uso também para games online e alguns cursos”, diz o jovem, que foi demitido no início da quarentena e está a procura de emprego.

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Trabalhador informal testa tecnologia para salvar seu negócio e sobreviver http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/07/01/trabalhador-informal-testa-tecnologia-para-salvar-seu-negocio-e-sobreviver/ http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/2020/07/01/trabalhador-informal-testa-tecnologia-para-salvar-seu-negocio-e-sobreviver/#respond Wed, 01 Jul 2020 07:00:15 +0000 http://quebradatech.blogosfera.uol.com.br/?p=670

A costureira Valdirene Rodrigues foi afetada pela crise provocada pela pandemia de covid-19. (Rosana Aparecida)

Ao não utilizar perfil empresarial nas redes sociais, ter atendimento limitado via WhatsApp e sem infraestrutura de loja virtual, empreendedores das periferias de São Paulo que não passaram por um processo de alfabetização digital voltado ao negócio, relatam o impacto de se adaptar à pandemia, criando alternativas de vendas.  

Por Tamires Rodrigues

Nos últimos três meses, comerciantes e moradores que têm seus próprios negócios nas periferias se viram sem renda, pois sua maior fonte é a venda direta ao consumidor de forma presencial. Diante das circunstâncias causadas pela pandemia de coronavírus, eles tiveram que se reinventar para sobreviver e sustentar a família.

Jaime de Jesus, 41, mora no distrito do Campo Limpo, no Jardim Piracuama, em São Paulo. Ele é vendedor ambulante há 18 anos. “Eu comecei vendendo bebidas nos estádios, capa de chuva, aí fui trabalhando, trabalhando, não tive mais oportunidade de voltar para o mercado de trabalho, aí continuei na rua”, lembra.

Devido à falta de oportunidades no mercado de trabalho formal, ele foi se adaptando ao serviço de vendedor ambulante para garantir seu salário no final do mês. “Não tem uma coisa certa assim para vender, sabe. Um dia eu vendo guarda-chuva, no outro eu vendo alguma coisa diferente”.

Jesus se adaptou às circunstâncias e aproveita o trabalho para ter prazer ao conhecer histórias. “Todo dia é uma história diferente, que marca a gente”, diz.

Durante a pandemia, Jesus está conseguindo se sustentar, mas seu rendimento mensal caiu. Ele ainda ressalta que as ruas hoje não estão tão reconfortantes como antes. “Dá para tirar um dinheirinho para sustentar minha família. Eu não gostaria de estar na rua, né, trabalhando, se expondo, arriscando pegar um vírus e ficar doente, mas eu preciso estar na rua trabalhando para poder sobreviver, né”, afirma.

Jesus tenta reduzir seu tempo de exposição na rua, mas esbarra nas dificuldades para utilizar ferramentas tecnológicas no dia a dia. “Às vezes eu exponho meus produtos pelo WhatsApp, mas tem hora que não tem jeito, é preciso sair de casa”, diz o vendedor ambulante. Para ele, o baixo alcance das vendas pelo WhatsApp faz da rua a melhor opção para conseguir aumentar sua renda.

O ambulante acredita que a inexperiência com ferramentas tecnológicas amplia as dificuldades com o negócio nesse momento. “Eu sou um pouco leigo em relação à tecnologia, eu não sei mexer muito. Dependo da minha filha, dependo da minha esposa, elas sempre me ajudam, mas eu tenho um pouco de dificuldade”, diz.

“Fiquei desesperada”

No Capão Redondo, distrito vizinho do Campo Limpo, em São Paulo, a moradora Claudiene Santos, mais conhecida em seu bairro por Cacau, 26, é manicure há oito anos. Cacau costuma atender em sua casa. Segundo ela, a flexibilidade de horários para fazer suas demais tarefas foi um dos principais motivos para trabalhar por conta própria. “Trabalho em casa por conta da minha filha, assim não preciso pagar ninguém para cuidar dela. Posso fazer meus horários, pois preciso conciliar com os horários da escola e alguma consulta médica que eu precisar ir”.

Assim como o vendedor ambulante, a manicure começou a trabalhar por conta própria em casa por falta de emprego formal. Logo nas primeiras semanas do isolamento social, Cacau se viu preocupada, pois todas suas clientes deixaram de ir até ela para fazer as unhas. “As clientes sumiram no começo da quarentena, tipo sumiram mesmo, fiquei praticamente um mês sem trabalhar”.

A partir desse momento, a sensação de desespero tomou conta de Cacau. “Fiquei desesperada, pois meu marido é Uber e estava muito difícil para ele também, quase não tinha chamadas. Também não conseguimos o auxílio emergencial e não tínhamos nenhuma garantia de renda”, afirma.

A manicure buscou usar plataformas como Facebook e Instagram para tentar conquistar novos clientes. “Eu comecei a usar as ferramentas do Facebook e Instagram agora porque antes eu tinha medo, não sabia mexer. Eu só posto as coisas, faço o básico, eu não sei fazer o que o restante das pessoas fazem no Instagram”, diz.

Mesmo com suas dificuldades, ela continua persistindo em aprender um pouco mais das tecnologias que têm acesso em busca de impactar e valorizar o seu negócio. Porém, ela ressalta que sua maior metodologia de marketing continua sendo o uso das indicações de clientes.

“A maioria das minhas clientes são todas antigas, todas elas indicam para alguém. Então mesmo que venha do Facebook, foi porque alguém indicou. Elas procuram no Facebook ou no Instagram e me encontram”, afirma.

“Não basta postar uma foto”

“Não é tão fácil vender produtos pela internet, não adianta você postar uma foto e falar assim: ‘eu tô vendendo’. Tem que ter recurso, tem que ter muita coisa que eu não tive como opção, entendeu?”, conta Valdirene Rodrigues, 47, moradora da Vila Industrial, periferia da zona leste de São Paulo, que trabalha por conta própria em sua casa como modelista.

Durante a pandemia, Rodrigues não conseguiu realizar atendimentos presenciais e também não conseguiu usar a tecnologia a seu favor. “Eu não tinha como receber as pessoas em casa e nem tinha como ir até elas, então a situação ficou bem complicada, né”.

Nessa situação, Rodrigues observou uma forte demanda em seu bairro por máscaras e começou a produzir e comercializar. “Eu comecei a fazer máscaras para venda e continuo fazendo, porque ainda tá difícil”, afirma. Ela acredita que se tivesse o domínio de recursos tecnológicos para auxiliar no seu trabalho e divulgar seus produtos isso ajudaria a melhoras as vendas.

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