De olho no Enem, cursinhos populares usam EAD e podcast durante quarentena
Como fazer uma educação popular em tempos de ensino à distância? Esse foi o primeiro tema debatido por educadores e alunos que fazem parte de cursinhos populares que atuam nas periferias de São Carlos, interior de São Paulo, e no Capão Redondo, zona sul da capital. Durante a pandemia, as iniciativas reviram a sua forma de compartilhar conhecimento com moradores das quebradas que estão em busca de acessar a universidade pública e tirar boas notas no Enem.
Por Tamires Rodrigues
"No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho". Esse e outros poemas de Carlos Drummond de Andrade aparecem com certa freqüência nas provas do Enem e vestibulares das principais universidades públicas do país. Para você conseguir entender como é para um jovem da periferia se preparar para vestibulares e exames como o Enem, se faz necessário compreender quantos obstáculos eles encontram no caminho até a universidade. Essa é a percepção de André Pereira e Carine Nascimento, educadores de cursinho populares, que atuam para encurtar a distância entre o ensino superior público e o morador da quebrada.
Pereira atua no Cursinho Carolina Maria de Jesus, uma iniciativa de educação popular que atende jovens das periferias da cidade de São Carlos, interior de São Paulo. Para superar os desafios impostos pela pandemia, ele está utilizando um sistema de ensino à distância com apoio do Google Sala de Aula, uma das ferramentas de educação fornecidas pela empresa de tecnologia.
A ferramenta Google possibilita que os professores interajam com os alunos durante as aulas, além de viabilizar o compartilhamento de documentos pelo Google Drive. "A gente acredita que o projeto precisa das ferramentas para que as pessoas possam se desenvolver. Tem muita Carolina que não chega lá, só porque não teve as ferramentas, além de enfrentar barreiras. Então a gente tira as barreiras e dá as ferramentas para as pessoas", afirma Pereira, que dá aulas de biologia para cerca de 200 alunos atendidos pelo cursinho popular.
A iniciativa acontece no campus Lagoa do Sino, em São Carlos. A região é conhecida como 'Ramal da Fome', por incluir diversas cidades do sudoeste paulista cuja população encontra poucas oportunidades de geração de renda e trabalho.
Antes da pandemia, o cursinho atendia em média 120 alunos em aulas presenciais. O principal critério de participação é uma análise socioeconômica dos candidatos. Para atender alunos de outros municípios, o Carolina Maria de Jesus tem apoio de prefeituras de cidades vizinhas de São Carlos, que oferecem semanalmente alimentação, transporte e materiais para os participantes.
Diante das medidas de isolamento social adotadas para evitar a proliferação do covid-19, o Carolina Maria de Jesus teve que paralisar suas aulas presenciais. Porém com as datas do Enem já marcadas para os dias 1 e 8 de novembro, eles adaptaram suas metodologias de ensino para aulas online. No site da iniciativa foi criado um novo campo de ensino a distância, com um passo a passo para acessar os conteúdos didáticos, possibilitando que não só os alunos que já frequentavam o cursinho assistam às aulas, mas também alunos de diversas regiões que tenham interesse em estudar disciplinas pautadas na preparação para o Enem.
"Como não está tendo as aulas presenciais, a gente está recheando esse espaço. A gente criou em nosso site um tutorial para os alunos poderem seguir nossa metodologia de aula a distância", diz Pereira sobre as adaptações.
Além das aulas a distância, os alunos recebem um material diário para estudar em casa, seguindo a grade pedagógica que eles teriam nos encontros presenciais. A cada dia da semana são disponibilizados três materiais diferentes. Os materiais são compostos por conteúdos teóricos, vídeo explicativo e exercícios. Para garantir uma orientação e tirar eventuais dúvidas, os professores fazem um plantão online para auxiliar os alunos.
Mesmo com a "praticidade" do ensino à distância, Pereira enfatiza que essa não é uma solução para "todos". "Nas reuniões a gente fica discutindo como melhorar essas questões, mas a gente está com um 'problemão' aí que é de como atender os alunos que não têm acesso à internet. Provavelmente quando acabar a quarentena a gente vai ver alguma metodologia para fazer algo específico para essas pessoas".
"Para os professores é essa briga de não reproduzir a educação tradicional. Agora para os alunos a briga é social, porque muitos deles não estão isolados. A gente já tenta fazer um trabalho melhor de estudo em casa, porque eles vinham estudar quatro horas por dia com a gente, mas o que conta mesmo é o estudo em casa e muito dos nossos alunos não tem ambiente nenhum para estudar em casa. Então, às vezes, ir para o cursinho era uma fuga", diz.
Podcast
Na zona sul de São Paulo, a educadora Carine Nascimento colabora com um cursinho popular que também leva no nome a força da escritora Carolina Maria de Jesus. A iniciativa de educação popular atua nos territórios do Capão Redondo e Jardim Ângela. Uma das saídas encontradas pela educadora para continuar mantendo o contato com os alunos do cursinho foi a criação de um podcast.
No cursinho popular, Nascimento atua como professora de interpretação de texto, fazendo um trabalho sobre a dificuldade de compreensão de temas, somente pelo distanciamento da linguagem.
A partir desta experiência pedagógica e pensando em como construir meios para seus alunos estarem atentos aos temas mais discutidos da atualidade, ela elaborou juntamente com outros educadores do cursinho o podcast "Fala Carolina", um programa semanal, que é distribuído para os alunos por meio de listas de transmissão no WhatsApp.
O conteúdo do podcast também fica disponível no blog do cursinho, plataforma onde são publicadas as aulas e materiais de apoio aos temas abordados em cada episódio no "Fala Carolina".
O primeiro episódico do 'Fala Carolina' abordou a importância do Sistema Único de Saúde (SUS). O conteúdo vem carregado de referências de uma forma informativa e descomplicada, adaptada e pensada para não consumir muita internet do usuário. "Quando a gente migra de um canal presencial para o digital, a gente tem uma série de desigualdades envolvidas, nem todo mundo tem internet boa, nem todo mundo sabe usar os aplicativos que a gente está propondo", diz.
Nascimento aponta a necessidade de se aproximar da linguagem do aluno, porque, segundo ela, esse é um dos principais meios para retirar tantas pedras que tem no meio do caminho dele. "Nós somos um cursinho de educação popular, educação popular está baseada na teoria de Paulo Freire. Em Paulo Freire você lê o mundo antes de ler a palavra. Então, se for para fazer educação popular e não está completamente mergulhado na realidade do aluno, do jeito que ele fala, então é melhor não fazer nada".
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